Nuno Crato: “Pais devem ter informação para apoiar, criticar ou pressionar as escolas”

Apesar de apontar algumas fragilidades e de defender que não deve ser o Ministério da Educação a fazer os rankings, Nuno Crato sublinha que «é essencial» conhecer os resultados das escolas. «É um direito democrático», frisa o ex-ministro da Educação em entrevista ao b,i.. 

Nuno Crato: “Pais devem ter informação para apoiar, criticar ou pressionar as escolas”

No seu entender, continua, «os pais devem poder saber como a sua escola se compara com as escolas vizinhas» de forma a poderem escolher «a melhor» para os filhos, de acordo com o seu perfil. 

Nuno Crato rejeita ainda a ideia de que os rankings são prejudiciais para a escola pública, provocando a fuga de alunos para os colégios, classificando como «salazarento» quem usar esse argumento para sonegar informação. O ex-ministro conta ainda que vê a concorrência entre a escola pública e a privada como «algo sempre útil e importante para que todos melhorem». 

 

Os rankings são úteis para os alunos e para as famílias?

Verdadeiramente importante é que os resultados das escolas sejam conhecidos, que possam ser estudados e comparados. Os rankings são o resultado do tratamento que muita comunicação social dá a esses dados, com todo o direito, mas respondendo a um desejo de simplificação e alguma curiosidade de todos nós. Mas são um aspeto secundário. O importante é que os dados sejam conhecidos.

 

Concorda com os rankings? Porquê?

Não concordo nem deixo de concordar. É algo que algumas entidades fazem com base nos dados quando eles são conhecidos. Têm o direito de o fazer, com todos os riscos de simplificação que tal atividade acarreta. Para mim o essencial é conhecer os resultados das escolas. Esse é um direito democrático. Os pais devem poder saber como a sua escola se compara com as escolas vizinhas, devem poder ter informação para apoiar, criticar ou pressionar as escolas com vista a uma melhor educação. Os rankings são unidirecionais e, mesmo que sejam compósitos e tenham diversas variáveis em consideração, dão uma informação que se resume a um número ou uma posição numa escala. Esse número ou posição é certamente informativo, mas deve ser integrado com outras informações. 

 

Que tipo de informações?

Dou dois exemplos. Uma escola que tenha uma tradição de acolher jovens com dificuldades pode, ou não, obter uma boa posição num ranking, mas pode, nas condições em que se integra, estar a fazer um excelente trabalho, melhorando muito os conhecimentos dos seus alunos. Em contrapartida, uma escola no topo dos rankings, pode estar nessa posição apenas porque recebe alunos muito bem preparados e pode nem sequer melhorar significativamente a sua preparação. Outro exemplo: conhecendo bem as características dos seus filhos, há pais que podem preferir uma escola pequena, que não tenha alcançado, em média, resultados académicos excecionais, mas que dê particular atenção aos alunos com mais dificuldades e que tenha um ambiente particularmente acolhedor. Outros pais, com filhos com outras características, podem dar prioridade a uma escola grande, mais rigorosa com os jovens e conhecida por obter resultados académicos no topo do ranking.

 

Os rankings podem ser prejudiciais para a escola pública? Há o risco da fuga de alunos para os colégios que consigam melhor classificação?

Não é a primeira vez que me fazem essa pergunta. Acho que o problema deve ser abordado sob dois aspetos. Primeiro, se os resultados de uma escola são maus e os de outra são bons, não será natural que os pais escolham a melhor escola? Não só é natural como é saudável. É prova de que estão preocupados com a educação dos seus filhos. Segundo, se alguns rankings podem ser enganadores em alguns aspetos, cabe às escolas, aos pais, à comunicação social, ao Ministério, dar mais informação, dar mais elementos que levem os pais a fazerem uma boa escolha. Diria mesmo que o medo de que os alunos fujam para escolas melhores e todo o argumento em torno disto é muito triste. Querem que os alunos fiquem em escolas piores, escolas que não fazem um bom trabalho? Será um crime querer uma boa educação? Deveria ser antes o Estado a decidir por todos? Acho que há algo um pouco salazarento nesta discussão. Antes do 25 de Abril, havia um controlo sobre as notícias com o pretexto de que o povo não estaria preparado para distinguir o certo do errado. O argumento de que os rankings são prejudiciais e não deve ser dada informação que permita que eles sejam feitos, argumento que vingou até 2001 – quando o Governo da altura foi obrigado, contra vontade, por pressão mediática e jurídica, a revelar os resultados -, é um argumento de natureza tão antiliberal e antidemocrático que é difícil pensar que no século XXI e em democracia ainda seja utilizado. O que é importante é dar informação. E as distorções combatem-se dando mais informação, e não dando menos. 

 

É decisivo para a  Educação que a escola de serviço público preste um bom serviço 

 

 

Este ano há alguns indicadores positivos para a escola pública. Tanto no básico como no secundário as escolas públicas continuam a ganhar terreno aos colégios, entre as 100 escolas mais bem classificadas. O que nos diz este indicador?

É decisivo para a Educação que a escola de serviço público preste um bom serviço. Se esta é uma tendência, se essa melhoria relativa corresponde a uma melhoria real e não apenas uma melhoria comparativa ou a uma oscilação conjuntural, isso é positivo. Mas não veria tanto as coisas como concorrência entre públicos e privados, no sentido de um campeonato. Vejo a concorrência como algo sempre útil, importante para que todos melhorem. O facto de termos obtido no PISA e TIMSS de 2015 os nossos melhores resultados internacionais de sempre é muito animador. Esperemos que essa tendência persista. O facto de termos conseguido, ao mesmo tempo, baixar o abandono escolar de 25% para 13,7% em 2015, portanto a um ritmo médio de cerca de 2,5 pontos percentuais por ano durante quatro anos, também é muito animador. A esse ritmo deveríamos obter para 2017 um abandono escolar de apenas 9%, ou mesmo menos. Parece-me difícil de conseguir, com a inversão da tendência que se viu no ano passado. 

 

O desfasamento entre as escolas públicas e privadas vai continuar a desvanecer-se no futuro? 

É uma incógnita. O ideal seria que melhorassem ambas, não propriamente que um grupo melhorasse e outro piorasse. 

 

Como se podem melhorar os resultados da escola pública?

Nos traços essenciais o caminho não é difícil de descrever. Consiste em não complicar as coisas nem inventar intervenções. Primeiro, é necessário um currículo centrado no conhecimento e não em competências vagas, um currículo com metas organizadas e ambiciosas. Segundo, é necessário acompanhar e avaliar os progressos, daí a importância dos exames e das Provas Finais que na altura introduzimos e que o novo Governo abandonou. Terceiro, com base nestes dois elementos, devem dar-se incentivos às escolas e aos professores que conseguem progressos, de forma a continuar e generalizar esses progressos. Daí a importância dos indicadores de eficiência que introduzimos. Quarto, é preciso dar acompanhamento especial aos que revelam mais dificuldades, com mais atenção, mais tempo. Finalmente, é preciso dar saídas aos que revelam, possivelmente de forma temporária, maiores dificuldades e que precisam pois de saídas vocacionais que não lhes fechem oportunidades. Isto consegue-se apontando objetivos, seguindo-os, avaliando-os e, ao mesmo tempo, dando às escolas e professores uma maior autonomia. A médio e longo prazo, a questão central é o processo de formação e seleção de professores. Mas essa é toda uma outra história. 

 

Então?

Nós estabelecemos um exame de 12.º ano em Português e outro em Matemática como requisitos para a entrada nas escolas de formação de Ensino Básico. Veremos se essas medidas se mantêm. Demos também mais atenção às matérias de docência na formação de professores. Veremos como os politécnicos e as universidades o levam à prática. Finalmente, introduzimos um exame de acesso à profissão que, como sabemos, foi abolido. Vai ser difícil garantir que serão os mais bem preparados a serem escolhidos para professores do futuro. A nossa geração tem aqui uma grande responsabilidade histórica.

 

Outro dos indicadores positivos para o ensino público é que há menos escolas com médias negativas nos exames. Uma diferença que se nota sobretudo no básico, com menos 228 escolas com média negativa nos exames. Vê este indicador como sinal positivo ou é de alguma forma facilitismo na atribuição de notas?

A melhoria de resultados é um bom sinal. Nos anos em que não há qualquer avaliação externa é mais difícil sabê-lo.

 

Sobre a inflação de notas. No secundário há 232 escolas públicas (201) e privadas (31) cuja nota atribuída pelo professor é três valores acima da nota conseguida pelo aluno no exame. No ano passado eram 236 escolas nesta situação. Este cenário é preocupante?

É, é preocupante. Por isso, no indicador de eficiência educativa que introduzimos, havia uma penalização para as escolas que divergissem muito na sua avaliação interna da avaliação externa, vulgo, que fizessem inflação de notas. Claro que, a partir de certo nível de gravidade, terão de ser feitas ações inspetivas, mas o importante é tentar regular as coisas à partida, através de medidas de incentivos.

 

Outra conclusão que se pode retirar é a de que as escolas que ocupam o topo do ranking não apostam no ensino profissional. Como lê esta tendência?

Não me espanta, pois estamos a falar de rankings que medem sobretudo os resultados nas matérias científico humanistas, ou seja, na formação em disciplinas que estão vocacionadas para preparar o prosseguimento de estudos superiores.

 

Como se pode inverter esta tendência?

Haverá sempre escolas que estão mais vocacionadas para as matérias científico-humanistas, a História, a Geografia, a Filosofia, a Física, etc., e escolas que apostam mais no ensino profissional. Haverá mesmo escolas sem ensino profissional e escolas profissionais sem o Secundário científico-humanístico. Não vejo problema nisso, embora seja desejável que exemplos mistos também existam.

 

O que não nos dizem os rankings?

Os rankings não medem o sucesso do ensino profissional numa série de fatores decisivos: a qualidade dos técnicos que as escolas profissionais formam, o emprego que os seus estudantes obtêm, o sucesso no combate ao abandono escolar, a formação generalista destes técnicos que lhes permita prosseguir estudos, se o quiserem, e por aí adiante. Mais uma vez: isso é motivo para pedir, obter e divulgar mais informação e nunca para proibir rankings ou algo semelhante.

 

Deveria ser o ministério a fazer os rankings? Porquê?

Não, o Ministério deve dar os dados, todos os dados possíveis. Quem quiser fazer rankings que o faça. A responsabilidade do ministério é disponibilizar dados, a responsabilidade da comunicação social e de todos nós é ajudar a interpretar a informação.