Ordens querem travar entrada no Montepio

A Irmandade de São Roque, liderada por Bagão Félix, é uma das principais forças de oposição à entrada da Santa Casa no banco. Ordem recebeu da SCML mais de 136 mil euros em 2016.

A Irmandade de São Roque, ordem religiosa associada à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) é uma das principais opositoras ao possível negócio entre a instituição e a Caixa Económica Montepio Geral, que, a concretizar-se, prevê que a Santa Casa fique com 10% de capital da instituição financeira. Uma operação que irá exigir um investimento na ordem dos 200 milhões de euros, mas internamente o processo está a deparar-se com sérias resistências. O SOL sabe que um dos receios da ordem religiosa é que, ao desviar recursos para um projeto financeiro, a Santa Casa deixe para segundo segundo plano o financiamento das atividades desenvolvidas por estas irmandades.

Presidida por Bagão Félix – que já concorreu contra Tomás Correia na liderança da Associação Mutualista, mas saiu derrotado – e contando com nomes como Guilherme de Oliveira Martins e João César das Neves, a Irmandade de São Roque tem oferecido resistência à entrada da Santa Casa no capital do Montepio. Aliás, nos últimos meses, o ex-ministro não poupou críticas a este negócio, classificando-o de «ruinoso» e considerando que exige um valor muito elevado de investimento para criar um banco social.

«A operação revela-se aparentemente e potencialmente ruinosa, porque estamos a falar de 200 milhões de euros, não é uma minudência na vida da Misericórdia de Lisboa», disse Bagão, acrescentando que se trata de um valor que corresponderá a cerca de um terço do que podem ser considerados capitais próprios da instituição: «É uma concentração de risco muito elevada, brutal e desaconselhável», afirmou.

Bagão Félix chegou mesmo a considerar que é uma fatia «caríssima» para criar um banco social, alertando ainda para o facto de não saber o que é um banco social, além de violar vários princípios, desde logo o estatutário da Misericórdia de Lisboa, «cuja essência é a realização do bem-estar social das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos».

 A verdade é que, apesar de esta organização depender do Patriarcado, tem fortes ligações à Santa Casa não só financeiras como também legais. De acordo com os estatutos da SCML, está definido que «para cumprimento das suas atribuições, a mesa facultará à Irmandade da Misericórdia e de São Roque as verbas necessárias, devendo esta, anualmente, apresentar o relatório das atividades e contas respetivas».

Segundo o último relatório e contas da Irmandade de São Roque, esta ordem apresentou um lucro de mais de sete mil euros em 2016, os últimos dados que são conhecidos. Nesse mesmo ano recebeu uma contribuição estatutária da Santa Casa de 136.308.50 euros, o que representou um aumento de 13,2% face ao ano anterior. «Este acréscimo teve a ver com um apoio extraordinário da SCML à celebração do Ano Jubilar da Misericórdia», diz o documento.

Com uma média de quatro trabalhadores, esta ordem gasta quase 71 mil euros por ano com pessoal e órgãos diretivos, cerca de nove mil euros em rendas e aluguer e mais de sete mil euros em despesas de deslocação.

Mais resistência

Também a Real Irmandade Senhor dos Passos da Graça, que tem uma relação estreita com Ordem de São Roque e com a própria Santa Casa, conta com o atual presidente da Caixa Económica entre os seus membros. Félix Morgado tem sido igualmente um dos opositores ao possível negócio entre a Santa Casa e a Montepio.

O ainda presidente da instituição financeira foi sempre um forte opositor à ideia de criar um banco social, criando um braço de ferro com Tomás Correia – que lidera a associação mutualista, acionista do banco – que acabou por levar à sua saída. Em dezembro, o dono do banco acabou por anunciar o seu substituto.

Aliás, a lista dos sete administradores executivos e dos oito não executivos já está nas mãos da entidade regulada por Carlos Costa para receber luz verde, sabe o SOL. Ao nome de Nuno Mota Pinto junta-se ainda Carlos Leiria Pinto, que vai ser o número dois da administração da instituição financeira e também ele vem do Banco Mundial. Juntam-se ainda Pedro Alves e José Carlos Mateus, que saem da direção da Associação Mutualista para a Caixa Económica.

Já Francisco Fonseca da Silva transita do conselho geral de supervisão para chairman do banco. O mesmo acontece com Vítor Martins e Luís Guimarães, já que esta mudança de administração da instituição financeira implica a aprovação prévia dos novos estatutos, que irão trazer um novo modelo de governação no banco, deixando de existir o atual conselho geral de supervisão e o conselho fiscal.

A nova lista de administradores apresentada ao Banco de Portugal reúne o consenso da estrutura acionista e «adequa-se ao perfil requerido para a execução da estratégia definida no sentido de dar cumprimento aos objetivos de transformação da CEMG na instituição financeira portuguesa de referência para a economia social».

Ainda assim, continuam a existir incertezas em relação à data da entrada da Santa Casa no capital do banco. O provedor Edmundo Martinho tinha garantido no Parlamento, em dezembro passado, que gostaria de tomar uma decisão até ao final do mês de janeiro, independentemente do seu desfecho. No entanto, esse prazo não foi cumprido. Questionada pelo SOL relativamente aos timings, a Santa Casa disse apenas que «não há novidades sobre este assunto».

Isto significa que a nova administração poderá ser eleita antes de a Santa Casa ficar com os 10% da instituição financeira. No entanto, fonte ligada ao processo garantiu ao SOL que os nomes escolhidos têm o aval das duas partes.

Aliás, tal como o SOL tem avançado, a definição da nova liderança faz parte do acordo parassocial, uma vez que é entendido que quem entra quer participar na gestão.