Procurador continua em prisão domiciliária

Orlando Figueira disse em dezembro que tinha chegado a hora de contar toda a verdade e colaborar com a Justiça. Mas na semana em que foram ouvidos gestores do BPA e a ex-diretora do DCIAP o tribunal disse ter ainda receio de que fuja. Para Angola ou EUA.

O tribunal continua com receio de que o antigo procurador Orlando Figueira fuja de Portugal e recusou alterar a sua medida de coação – prisão domiciliária. A decisão do coletivo presidido pelo juiz Alfredo Costa foi tomada nos últimos dias na sequência de um requerimento da defesa de Figueira a pedir a atenuação das medidas de coação.
Apesar dos argumentos apresentados pelo antigo magistrado e de nos últimos meses ter decidido mudar a linha da sua defesa, apontando o dedo ao banqueiro Carlos Silva e ao advogado Daniel Proença de Carvalho, os juízes consideraram que o receio de fuga para Angola e para os Estados Unidos apontado pelo Ministério Público fazem sentido.

«Se é certo que, no momento, não existe risco para a recolha da prova […] mantêm-se, todavia, outros perigos que importa acautelar», fundamentou o MP, alegando que «se mantém o perigo de fuga pelo facto de o arguido ter familiares a viver noutros países, contas bancárias domiciliadas no estrangeiro – nomeadamente em Andorra – e relações de grande proximidade em Angola».

O SOL sabe que o MP defendeu que a retirada do passaporte não era suficiente para pôr fim ao perigo de fuga dado que não existem fronteiras no espaço Schengen e o controlo para os cidadãos comunitários é ineficaz: «Como é sabido, a débil fiscalização de fronteiras na Europa relativamente a cidadãos provenientes do mesmo espaço comum facilmente possibilita a saída de um país para outro no qual se tenha a garantia de não extradição».
Com base nestes argumentos e no facto de estar acusado por crimes «manifestamente graves» – corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação do segredo de justiça e falsificação de documento – o tribunal decidiu julgar «improcedente a requerida alteração das medidas de coação».

Gestores de conta do BPA ouvidos em julgamento
Na última quinta-feira foram ouvidos em tribunal três gestores do Banco Privado Atlântico: Rita Quintela, que foi gestora de conta dos arguidos Armindo Pires e Paulo Blanco, Pedro Soares, que foi gestor de conta de Orlando Figueira, e Vítor Barosa, que foi gestor de duas contas do antigo procurador.

As três testemunhas foram questionadas sobre a concessão de um empréstimo de 130 mil euros ao antigo magistrado – O MP considera não terem sido dadas garantias suficientes – e sobre os fluxos de dinheiro que se verificaram entre contas de Angola e as de Orlando Figueira.

A acusação defende que Figueira foi corrompido por Manuel Vicente, ex-vice-Presidente angolano, para que acelerasse e arquivasse dois inquéritos que visavam o ex-governante. O empréstimo concedido de 130 mil euros é uma parte dos 760 mil euros recebidos pelo ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e que os investigadores acreditam ser o total do suborno.

Rita Quintela esclareceu o tribunal que à data da abertura da conta por parte de Orlando Figueira, em 2011, os administradores do BPA, presidido por Carlos Silva, eram Graça Proença de Carvalho (filha de Daniel Proença de Carvalho), Isménio Macedo, Maria Conceição Lucas e André Navarro. Ainda assim, disse não saber quem fez parte da comissão de crédito, que aprovou o empréstimo: «Não sei dos diretores quem é que estava nessa comissão em específico».

Ter Orlando Figueira como cliente deixou BPA contente

Mas o ponto que deixou o tribunal mais surpreendido foi quando a antiga funcionária do banco explicou que no banco houve entusiasmo com a concessão de crédito ao magistrado.

«Era importante ter Orlando Figueira para a credibilidade do banco, nós nem tínhamos cartões de débito… Ter um cliente português para nós era bom, já andávamos a tentar angariar clientes portugueses. A maioria era angolano», disse, acrescentando: «Comentámos e ficámos contentes que [tivesse] transferido a sua carteira de títulos da Caixa Geral de Depósitos para o BPA. Mostrava credibilidade, profissionalismo da nossa parte».
Ao início da tarde, Pedro Soares começou por explicar que acompanhou o caso de Orlando Figueira durante um determinado período, esclarecendo que só passado um tempo se apercebeu de transferências feitas para o procurador vindas da sociedade Primagest – que segundo o MP está ligada à Sonangol e por isso a Manuel Vicente, mas que os arguidos garantem ser uma sociedade veículo de Carlos Silva.
O antigo funcionário do BPA disse também recordar-se de lhe «ter sido entregue documentação de suporte sobre o recebimento do dinheiro». O desconhecimento alegado da Primagest não abona a favor da tese de Orlando Figueira, de que teria tido condições especiais dado que no banco sabiam que ia trabalhar para Carlos Silva.

Notas referem que o antigo procurador tratava ‘com o PCA’ 
O que não explicou ao certo por não se recordar, era o porquê de nas anotações internas que fez do cliente ter colocado a seguinte inscrição: «Trata com o PCA». Após alguma insistência do tribunal disse não ver o que poderia ser a sigla se não uma alusão ao Presidente do Conselho de Administração, ou seja, Carlos Silva. A afirmação reforça a tese de Orlando Figueira que diz ter sido contratado pelo banqueiro e que Manuel Vicente é alheio à sua saída do DCIAP.

Quanto a Vítor Barosa – que continuará a ser ouvido na segunda feira – disse que quando recebeu Orlando Figueira não lhe foi indicado que vinha da parte de Carlos Silva, e que acha que foi André Navarro (Presidente da Comissão Executiva do BPAEuropa) quem lho apresentou.

Questionado sobre as alegadas facilidades na concessão do crédito, explicou que o mesmo foi aprovado, por um lado dadas contrapartidas que o cliente trazia para o banco (um carteira de títulos de 12 mil euros, 40 mil euros e ser proprietário de uma casa com algum valor), por outro o facto de ser ter comprometido verbalmente a investir em mais títulos. Este compromisso verbal e a ausência de definição de penalizações para o caso de Orlando Figueira se desfazer da casa e o banco perder essa garantia foram no entanto arrasadas pelo juiz presidente do coletivo.

Vítor Barosa reforçou ainda não saber à data da concessão do empréstimo que Orlando Figueira poderia vir a trabalhar para o grupo ou para Carlos Silva: «Não sabia que Orlando Figueira ia para uma empresa angolana quando fez o empréstimo, só soube em janeiro ou fevereiro do ano seguinte, quando recebeu a transferência de 2012. É nessa altura que tomo conhecimento» [da Primagest].

Contradições entre Cândida Almeida e arguidos
Esta semana, a antiga diretora do DCIAP continuou a ser ouvida e as contradições entre a sua versão e o que disseram Orlando Figueira e Paulo Blanco, que durante anos representou o Estado angolano em investigações do DCIAP, levaram inclusivamente a que fosse determinada pelo coletivo uma acareação – confronto de versões.
A primeira discordância foi sobre o número de reuniões em Lisboa em que estiveram presentes o procurador-geral da República de Angola, João Maria de Sousa, a antiga diretora do DCIAP, Orlando Figueira e Paulo Blanco. Estes dois últimos defenderam sempre que foram vários os encontros, enquanto que Cândida Almeida disse apenas lembrar-se de um.

Outro tema que tem mais do que uma versão é o dossiê que Figueira levou para Angola em 2011, numa viagem cujo objetivo era participar nas comemorações da semana da legalidade. Os arguidos dizem que o memorando ou dossiê com informações de processos que corriam em Portugal e visavam a elite angolana foi levado a pedido da então diretora do DCIAP. Mas Cândida Almeida garante que não deu ordem para que Orlando Figueira levasse documentos, adiantando: «Agora se levou ou não, não sei».

O último ponto foi o facto de o inquérito que visava Manuel Vicente pela compra de um apartamento no Estoril Sol poder ter sido considerado pelo DCIAP um assunto de Estado. A antiga diretora do DCIAP assegura que não.

Apesar das divergências houve um ponto sublinhado por Cândida Almeida que vai ao encontro do que as defesas têm afirmado. É que nos arquivamentos a última palavra era sua (ainda que muitas vezes os procuradores soubessem antecipadamente o sentido da sua decisão). A defesa de Orlando Figueira e Paulo Blanco tem referido ser impossível qualquer acordo entre o ex-procurador e Manuel Vicente para arquivar processos, dado que a última palavra não era do magistrado.