Futebol: a estratégia da violência

Digam o que disserem, peçam o que pedirem, os líderes da bola serão olhados sempre de forma diferente dos políticos, com total ausência de escrutínio

Há dias ouvi o Presidente Marcelo falar da necessidade de concórdia e de um ambiente menos hostil no futebol. Achei o desejo louvável; mas o negócio da bola, pelas suas características explosivas de misturar paixão e resultados, exacerba os ânimos. 

Quando os dirigentes são os primeiros a inflamar os discursos, os adeptos encontram neles os necessários catalisadores para explodir. Não há santos nem inocentes! Neste nosso futebol indígena, com três grandes clubes que representam mais de 90% dos adeptos, todos têm culpas no estado de sítio que se vive, no ambiente de guerra entre todos, com mails ou vouchers, erros de arbitragem ou do VAR, posts no Facebook ou Twitter, todos a servirem de combustível nas fogueiras das comunicações.
 
Quem não se lembra dos discursos regionalistas de Pinto da Costa contra o centralismo de Lisboa? Aliás, foi esse discurso que agregou a massa associativa numa luta que fez do FC Porto um dos maiores clubes da Europa há uns anos, suportado em grandes (enormes!) jogadores, chegando a campeão europeu. Por isso, Pinto da Costa continua no lugar há bem mais de 30 anos, sem alternativa visível. 

Quem esqueceu os tempos de Vale e Azevedo, com discursos agressivos contra o FCP, como fator de união das massas adeptas? Mesmo em queda, já com várias suspeitas às costas, teve quase 40% dos votos. 

E mais recentemente Luís Filipe Vieira, inicialmente contestado mas depois tolerado e presentemente sem qualquer opositor à vista. 

Nestes exemplos se baseou Bruno de Carvalho para se guindar à presente posição de líder incontestado, sempre com discurso belicista contra inimigos internos e externos, identificando nestes o Benfica – agregando os sócios, apesar de 4 anos sem títulos visíveis no futebol, mas recolocando o clube como indiscutível candidato.
 
O ambiente não é de festa mas de sobrevivência, tudo sendo permitido aos líderes da bola. Digam o que disserem, peçam o que pedirem, serão olhados sempre de forma diferente dos políticos, com total ausência de escrutínio. 
Todos têm consciência de que o terceiro lugar no campeonato lhes retirará milhões de forma direta pela ausência na Champions e de forma indireta pela possível perda de patrocínios. Tudo sob a passividade da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol e até da Secretaria de Estado do Desporto, que parece ter receio de se imiscuir para não perder votos. No meio, os árbitros. Ainda não há jogos sem eles, mas todos zurzem neles. Não têm adeptos e muitos são mesmo incompetentes, o que não justifica as perseguições, até pessoais. Pensaram fazer uma greve, mas logo recuaram.
 
As direções de comunicação dos clubes comentam sobre tudo e sobre nada. Tudo vale para hostilizar o ‘inimigo’ – e daqui até ao final da época a violência verbal será em crescendo e a violência física virá fatalmente a seguir. 

Se em Guimarães uma rivalidade regional motivou feridos em cenas de pancadaria, se há tempos um adepto do Sporting (embora da claque da Fiorentina) foi lamentavelmente morto por atropelamento perto do Estádio da Luz em confrontos de claques, não será de admirar que, com o andar das jornadas, o clima de violência aumente, empurrado pelos discursos totalmente irresponsáveis. Mas quando a sobrevivência dos dirigentes depende dos resultados, e o equilíbrio pontual é grande, o gritar mais alto parece ser a única lei. Todos vão bater em todos para sobreviver.

No fundo, tudo tem a ver com lideranças prolongadas ou que se desejam prolongadas. O eternizar destas lideranças transforma democracias em regimes presidenciais ou mesmo monarquias (no sentido do poder absoluto, dado que, por enquanto, ainda não se designam sucessores). Desertificam-se estrategicamente as alternativas, com guerras que atemorizam os rivais – que não estão em muitos casos para se sujeitar a ser caluniados em público e nas redes sociais. Só de uma coisa tenho a certeza: um deles será campeão, outro vai ao play off da Champions e o terceiro arrisca – pela dificuldade financeira de se reerguer, dados os passivos acumulados e os significativos défices de tesouraria – uma caminhada no deserto.
 
P.S. – Um tipo fica estupefacto quando vê o ‘saco de gatos’ em que ficou o PSD. Ver um tipo que merece todo o respeito nacional como Fernando Negrão ser eleito líder da bancada parlamentar por meros 39,7% dos votos é reflexo da desunião de um partido, além da mediocridade de uma classe política, neste caso laranja. Claro que a culpa é de Rui Rio, que conseguiu em poucos dias de liderança desunir o partido, apesar de convidar Santana Lopes para encabeçar o Conselho Nacional. Mas não convida Hugo Soares para – ainda na condição de líder parlamentar – assistir à Comissão Política Nacional. E faz um discurso de encerramento do Congresso de regresso à matriz social-democrata, com particular ênfase na Segurança Social ou na descentralização. Abriu, assim, as portas de São Bento a um Costa que passou a encontrar pontos de entendimento que necessitava, deixando a esquerda de Jerónimo e Catarina com receio de uma nova paixão do primeiro-ministro. Pelo meio, puxou uma Elina Fraga para a ribalta, desviando as atenções da novidade da sua liderança. É obra!