Fizz. Administrador do BCP elogia Vicente e diz que nunca recebeu ordens

Miguel Maya foi ouvido ontem no caso Fizz e afirmou não saber como é que o antigo procurador foi selecionado para ir para o departamento de compliance do BCP. Sabe apenas como é que saiu e foi por decisão sua

O administrador do Millennium BCP Miguel Maya garantiu ontem em tribunal nunca ter recebido de Manuel Vicente qualquer indicação para a contratação de Orlando Figueira, até porque não sabe como surgiu a escolha do nome do antigo procurador. A testemunha salientou, por outro lado, estar muito grato ao ex-vice-presidente de Angola pela forma como sempre tratou o banco.

O depoimento começou na manhã de ontem e Miguel Maya fez questão de frisar logo que, quando o banco atravessou uma situação difícil, Vicente conseguiu manter uma postura profissional. E foi isso, disse, que permitiu ao banco pagar os cerca de 4 mil milhões de dólares de intervenção do Estado, alegando que sem o apoio da Sonangol – de que Vicente foi presidente – não teria sido possível um desfecho positivo.

O administrador do BCP admitiu ainda ter conhecido Orlando Figueira quando este trabalhava no departamento de compliance da instituição financeira, ou seja, depois de sair da magistratura. E lembrou que a única reunião que teve com o antigo magistrado – acusado de corrupção juntamente com Manuel Vicente – foi quando o chamou para lhe dizer que ia sair do banco. Maya justificou essa sua decisão, tal como anteriores responsáveis do banco já o tinham feito, com suspeitas de que Orlando Figueira estava a passar informações sobre clientes para fora da instituição.

O MP considera que a saída do DCIAP para o setor privado e os montantes auferidos a partir daí foram subornos pagos pelo arquivamento de investigações que visavam Vicente – luvas que terão totalizado os 760 mil euros. Questionado sobre como é que o antigo procurador chegou ao BCP, Miguel Maya disse desconhecer, referindo que foi o também administrador do banco com o pelouro do compliance, Iglésias Soares, que lhe levou o nome de Figueira.

“Disse-me que precisavam de um quadro para o compliance e que tinham uma pessoa com mais de 20 anos de experiência, com curriculum à prova de bala, e que já tinha até falado com o dr. Nuno Amado. Eu disse que queria que o tema fosse decidido na comissão executiva, até porque o banco estava numa situação difícil e em restrição orçamental”, disse ao coletivo, presidido pelo juiz Alfredo Costa.

Perante a insistência sobre como foi escolhido o antigo procurador – e uma vez que alegadamente estaria à espera de ir para Angola trabalhar –, Miguel Maya foi direto: “Não faço ideia nenhuma quem é que indicou. O dr. Iglésias Soares era o responsável pelo compliance e era ele quem tinha a responsabilidade…”

Saída do BCP para o ActivoBank Mas se, por um lado, não sabe como Orlando Figueira chegou, por outro, sabe como é que saiu. Diz que tomou a decisão de o afastar perante as suspeitas de fugas de informação e que pediu que fosse encontrada uma solução, uma vez que não se podia prejudicar alguém sem dados concretos que provassem ser Orlando Figueira a fonte das fugas.

“A minha decisão foi a de que Orlando Figueira não podia ficar no compliance do BCP e pedi que se encontrasse uma solução que não o prejudicasse, uma vez que só havia suspeitas”, explicou, perante alguma perplexidade do tribunal. O coletivo de juízes pretendeu perceber o porquê de Orlando Figueira não ter sido afastado, mas sim reconduzido para um outro banco ligado ao BCP.

“Não é com base em suspeitas que tomo medidas definitivas, mas sim medidas preventivas. Estamos a falar de uma pessoa com prestígio. A ser verdade o que disseram, era muito grave, mas não havia garantias”, completou.

Sobre suspeitas de que a administração poderia ter travado sugestões do departamento de compliance de participar movimentos suspeitos relativos a clientes do banco, o administrador do BCP foi perentório. Disse que a administração nunca tomou decisões ou interferiu nas que cabiam ao departamento de compliance.

Conhece Armindo Pires e Paulo Blanco Miguel Maya afirmou ontem conhecer os arguidos Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente, e Paulo Blanco, o advogado que durante anos representou o Estado angolano.

“Conheço Armindo Pires por ser um bom cliente do Banco Comercial Português. Estive no máximo três vezes na vida com o eng.o Armindo Pires, conheço-o bem na qualidade de cliente do private. Com Paulo Blanco estive seguramente mais de uma dúzia de vezes. Apresentou-me clientes, pessoas que pretendiam comprar ativos imobiliários, e os seus serviços de advogado. Nunca esses negócios se concretizaram”, contou.

Manuel Vicente não projetou Carlos Silva Questionado pela procuradora Leonor Machado, Miguel Maya garantiu que o sucesso de Carlos Silva enquanto banqueiro nada teve a ver com Manuel Vicente, esclarecendo que, dado o “facto de Carlos Silva estar associado ao BCP e de a Sonangol estar associada ao BCP, pode parecer que há uma ligação”. Mas não existe, disse, em resposta à questão: “A projeção de Carlos Silva na banca fez-se ou não pela mão do eng.o Manuel Vicente?”

E, de Manuel Vicente, nunca terá recebido qualquer indicação relativa à contratação de Orlando Figueira para o BCP, nem para a passagem para o ActivoBank. “A mim nunca [me foram dadas indicações], e não acredito que tenham sido a alguém.”