O encontro

Quando Cavaco Silva ganhou as eleições de 1985, qual foi o seu primeiro gesto? Ir à sede do PS, na Rua da Emenda, e comunicar a Mário Soares que o PSD rompia o bloco central. E apesar de ter apenas 29,87% dos votos, decidiu governar sozinho, formando um Governo minoritário (que cairia menos de dois…

Quando Cavaco Silva ganhou as eleições de 1985, qual foi o seu primeiro gesto?

Ir à sede do PS, na Rua da Emenda, e comunicar a Mário Soares que o PSD rompia o bloco central.

E apesar de ter apenas 29,87% dos votos, decidiu governar sozinho, formando um Governo minoritário (que cairia menos de dois anos depois, mas lhe permitiria chegar à maioria absoluta nas eleições seguintes).

Foi esta a entrada de Cavaco Silva na arena política.

Ora, o que fez Rui Rio depois de ganhar as eleições no PSD?

Ir à residência oficial do primeiro-ministro comunicar-lhe que o PSD estaria aberto a acordos de regime com o PS.

Se Cavaco quis separar bem as águas entre o PSD e o PS, Rio quis misturá-las.

Dias antes, no Congresso do partido, o novo líder social-democrata garantira que não fará um bloco central.

Nestas condições, com quem poderá o PSD governar?

Naturalmente com o CDS.

Assim, o seu primeiro passo deveria ter sido na direção de Assunção Cristas, mostrando a sua disponibilidade para alianças futuras.

E articulando com ela a oposição ao Governo – pois o PSD e o CDS são os dois únicos partidos da oposição.

Mas não: Rio preferiu falar antes com António Costa.

Dir-se-á que o recém-eleito presidente do PSD pôs o país à frente do partido – e quis deixar isso bem claro propondo ao PS acordos de regime em áreas estratégicas, antes de pensar na oposição e nas próximas eleições.

Sucede que, por muito bem-intencionadas que sejam as suas intenções (e eu acredito que sejam), o passado já deu para mostrar que os acordos de regime entre o PSD e o PS não servem para nada.

O Partido Social Democrata e o Partido Socialista são como o Benfica e o Sporting: não vale a pena tentar entendimentos entre eles, porque o que eles querem é guerrear e não entender-se.

É esse o seu ADN.

As provas, aliás, estão à vista.Um pacto de regime sobre a Justiça, assinado entre o PS e o PSD no tempo de Sócrates e Marques Mendes, deu em quê?

Em nada.

De nada valeu todo o trabalho feito, as dezenas de reuniões, o tempo perdido.

E o que dizer do acordo entre o PSD e o PS para baixar o IRC?

Na primeira oportunidade – ou seja, para agradar ao PCP e o BE –, o PS rasgou o acordo e ficou tudo em águas de bacalhau.

Rui Rio não conhece estes episódios?

Não sabe que, mesmo que fosse possível um pacto com os socialistas, estes deitá-lo-iam fora na primeira curva da História?

Tentar acordos entre o PSD e o PS é tempo perdido, muito menos nesta altura.

O PS até pode dizer que sim, para empatar tempo e fazer ciúmes ao BE e ao PCP.

Mas nunca assumirá um compromisso com o PSD deixando de fora os seus aliados de Governo, porque isso seria visto por eles como uma traição.

O PSD serve assim de idiota útil, para o PS dar ideia de que dialoga à esquerda e à direita, quando o único diálogo que lhe interessa é com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda.

São estes que aguentam o Governo e garantem a paz nas ruas.

Falando de traições, não é para mim estranho que Rui Rio tenha escolhido Elina Fraga para a direção do PSD.

Elina Fraga era a delfina de António Marinho e Pinto, que lhe transmitiu o cetro quando deixou a Ordem dos Advogados.

Ora, qual era a grande obsessão de Marinho e Pinto quando estava na Ordem?

O Ministério Público, que ele zurzia impiedosamente – e por isso defendeu José Sócrates.

Depois, Marinho e Pinto apresentava-se como um justiceiro, disposto a limpar a política dos corruptos.

Finalmente, apesar de ter sido jornalista, desconfiava da comunicação social

Ora, como se apresentou Rui Rio?

Precisamente como um crítico acérrimo do Ministério Público, como um justiceiro que quer dar um «banho de ética» na política e como um cético em relação à comunicação social.

Entre Rio e Marinho e Pinto há, pois, muito de semelhante.

E, sendo assim, é natural que haja grande sintonia entre ele e a protegida de Marinho – não espantando nada que a tenha escolhido para sua vice-presidente.

Mas também aqui julgo que Rui Rio está errado.

A sua aversão ao Ministério Público não faz hoje sentido, depois das acusações contra José Sócrates, Ricardo Salgado, etc.

Mais: atacando o Ministério Público, Rio até parece defender aquelas personagens.

Tudo somado, desde a escolha de Elina Fraga à ida a S. Bento ao encontro de António Costa, Rui Rio não tem andado bem.

E isso vai ser muito penalizador para o PSD.

Prevejo que nas próximas eleições legislativas o grande confronto não será entre Rui Rio e António Costa – mas entre Rui Rio e Assunção Cristas.

Costa já ganhou as eleições, e a luta será pelo segundo lugar.

Ora, se Cristas ainda não está em posição de o conquistar, caso roube muitos votos ao PSD ficará bem colocada para o ultrapassar em futuras eleições.

A Europa está cheia de exemplos em que partidos históricos se afundaram num ápice.

E o PSD está a pôr-se a jeito.

 

P.S. – O vice-presidente do PSD Castro Almeida disse esta semana que estava «de braço dado com o Governo» na questão dos fundos europeus. Em resposta, o ministro Pedro Marques disse que não se identificava com essa imagem, pois, para estar de braço dado com o PSD, tinha de dar também o braço ao PCP e ao BE e não lhe «chegavam os braços». Como era de esperar, a nova estratégia do PSD de aproximação ao Governo já permitiu ao PS começar a humilhá-lo publicamente.