Lady Bird. Ou Christine, apenas Christine

Entre a ficção e o autobiográfico, a aclamada história de coming-of-age com que a atriz Greta Gerwig se estreia na realização chega hoje às salas. Com dois Globos de Ouro e cinco nomeações para os Óscares

Lady Bird poderá bem ser nome próprio, assim aprendemos pela voz de uma adolescente à beira de completar 18 anos, atrás do sonho de trocar Sacramento, na Califórnia, por Nova Iorque. E o grande poder de “Lady Bird” – filme de estreia na realização a título individual de Greta Gerwig, que conhecemos como atriz de títulos como “Frances Ha” ou “Mistress America” – está precisamente aí.

O seu verdadeiro nome será Christine. Nada acidentalmente o primeiro da mãe de Gerwig, também ela enfermeira, num filme que em detalhes como esse ou a escolha da cidade, Sacramento, onde Gerwig nasceu, terá um paralelismo evidente com a vida da realizadora. Não admira portanto que remonte isto tudo a 2002, a América ainda em choque com o 11 de setembro, telemóveis ainda como luxo, mesmo para uma adolescente a estudar num colégio privado.

A história escreveu-a Gerwig ao longo de anos, cita o IndieWire da conferência de imprensa em que a realizadora e argumentista de “Lady Bird” apresentou o filme no New York Film Festival, em outubro passado, e em que, admitindo o paralelismo, explicava como construiu Lady Bird como personagem com uma vida própria. “Nada no filme aconteceu de forma literal na minha vida”, afirmou. “Mas há um fundo de verdade que vem daquilo que conheço.”

Tanto que o argumento original “tinha 350 páginas”, revelou, para explicar que só a partir daí pôde começar a perceber o que era essencial à história. “Não consigo decidir o que é a história antes de ter escrito, escrevo para perceber qual é a história.”

A descoberta do que seria a história veio, nesse processo que para ela foi ir conhecendo as personagens que ela própria criava. Sobretudo Lady Bird (Saoirse Ronan). “Acho que as personagens acabam por dialogar connosco, por nos dizer o que querem fazer e o que é importante para elas”, acrescentava. “De alguma forma, o nosso trabalho é ouvir na mesma medida em que escrevemos, e ouvir o que as personagens que vão aparecendo nos dizem.”

Uma carta de amor No final, esta não será apenas uma história de coming-of-age este filme em que a atriz Greta Gerwig se estreia a título individual na realização, depois de “Nights and Weekends” (2008), que correalizou com Joe Swanberg. Será também, talvez acima de tudo, uma carta de amor à sua Sacramento. A cidade de onde, como Christine, também ela um dia quis fugir rumo a Nova Iorque, com todos os sonhos que tinha para cumprir. E auspicioso é este início de percurso na realização para Gerwig, a primeira mulher nomeada para o Óscar de Melhor Realização em oito anos, com um filme nomeado para outros quatro, incluindo o de Melhor Filme.

“Lembro-me muito bem de quando a Sofia Coppola foi nomeada para o Óscar de melhor realização e venceu o de melhor argumento [com “Lost in Translation”, em 2004] e do que isso significou para mim”, recordou a propósito das nomeações para os Óscares em entrevista ao “Guardian”.

“E lembro-me de quando a Kathryn Bigelow ganhou o de melhor realização e como nesse momento pareceu que todas as possibilidades se abriram aí. Espero genuinamente que o significado disto para as mulheres de todas as idades – as mais jovens, as que estão estabelecidas nas suas carreiras – seja poderem olhar para isto e pensar ‘vou fazer o meu filme’. Porque a diversidade entre os contadores de histórias é incrivelmente importante e também quero ver os seus filmes. Quero saber o que têm a dizer.” E o filme pode não ter vencido nenhum Óscar, mas teve dois Globos de Ouro: de Melhor Filme e Melhor Atriz, para Saoirse Ronan. Lady Bird. Ou, num final pacificado, Christine apenas.