Sweet Home Europa. E nós, os pobres, à mesa dos ricos

No ciclo “Portugal em Vias de Extinção”, João Pedro Mamede leva à Sala Estúdio do D. Maria II o texto de Davide Carnevali

Começaria isto com um homem e outro homem num jardim “cheio de flores e plantas”, céu azul e o sol que brilha, passarinhos, etc., não fosse do Sul, deste Sul, que assistimos a este início de uma peça a que Davide Carnevali chamou de “Sweet Home Europa”. De doce, nada. Apenas peixes atirados à mulher que é todas as mulheres a reclamar a sua voz num palco. Começaria isto com um jardim cheio de flores e plantas e sol, não fosse esta uma encenação de João Pedro Mamede. Jardim, então, só se for de espinhos – de pregos, no caso. Até porque flores, só dessas que vende um homem na rua a quem não as quer comprar.

Não fosse vermos neste outro homem que é ele próprio e o seu pai e o seu avô e o seu bisavô, que difícil será acreditar que alguma coisa possa algum dia mudar, um homem a vender flores como venderam o seu pai e o seu avô e o seu bisavô a quem nunca as quis ou há de querer comprar. Passado, presente e futuro serão um e iguais nesta estreia de “Sweet Home Europa” em Portugal, levada à cena da Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II por João Pedro Mamede, como parte do ciclo “Portugal em Vias de Extinção”.

Mas parecerá futuro, sobretudo, este cenário pós-apocalítico sobre o qual Carnevali constrói esta Europa. Perigosamente próximo, adivinhamos, que bem a presente e a real há de soar esta ideia de um homem de um país pobre recebido à mesa do homem do país rico, para um jantar austero disfarçado de banquete. Em comum, o mar, o mesmo, o Mediterrâneo. Que poderia unir mas que tem separa, que tem separado. Já sabemos. Difíceis de separar serão a distopia das associações constantes à política europeia contemporânea, pensamos. E a confirmação não tardará a vir.

Mudar de país para quê, eis a pergunta que não tarda. Para continuar pela rua a vender as flores que ninguém há de querer comprar? “Se me der uma moeda eu dou-lhe uma flor”, “E porque haveria eu de lhe comprar uma flor?”, “A sério, não tem uma moeda? É que era mesmo urgente”, “Não”, “E essas daí são o quê?”, “Estas coisas aqui? Estas… bem, ora isto aqui… Isto aqui são fichas para os carrinhos das compras”. E por aqui adiante seguirá este diálogo de surdos que não há de se fazer a dois apenas, mas a três, ou a muitos.

Personagens para esta peça que Tiago Rodrigues quis integrar no “Portugal em Vias de Extinção”, que teve início em janeiro e se estende até ao final de março – em cena para lá deste “Sweet Home Europa”, ainda “Ex-Zombies: uma conferência”, de Alex Cassal. Porque, explica ao i, não seria possível este olhar sobre Portugal a que o ciclo se propõe sem olhar também para a Europa em que Portugal, o “país pobre entre os ricos”, também se senta.

E voltamos àquele jantar, àquela conversa que há de se repetir entre múltiplos protagonistas, em todos os cenários que serão afinal sempre este jardim de pregos sobre o qual caminham estes três atores para três personagens-tipo – “um homem, vários homens” (João Pedro Mamede) “uma mulher, várias mulheres” (Isabel Costa) e “outro homem, e o seu pai, o seu avô, o seu bisavô, um filho” (João Vicente) – aos quais se junta um pianista do qual havemos de ouvir a 9.ª Sinfonia de Bethoven. Que bom será não esquecermos que o futuro e o presente têm muito em comum: o passado.