Missão: Reduzir as ninhadas de cães e gatos

O Governo aprovou um financiamento de 500 mil euros para  esterilização de animais nos canis municipais. Apoio chega tarde, alertam associações. A partir de outubro, são proibidos abates e controlar a população de animais torna-se um desafio.

Os dados da Direção Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), divulgados a 28 de março, fazem o retrato da situação que se vive nos canis municipais: em 2017, os canis receberam 40.674 animais, um aumento de 42% em relação a 2016, ano em que houve 28.555 entradas contabilizadas. Para tentar inverter a situação, esta terça-feira o Governo aprovou um financiamento que as associações de animais exigiam há já alguns anos: 500 mil euros para uma campanha de esterilização de animais errantes. 

«Como os apoios variam consoante o tipo de animal, vamos imaginar  que o dinheiro era todo aplicado em cadelas – que têm uma verba de 55 euros cada. Essa verba possibilitava a esterilização de cerca de nove mil cadelas. Ora, uma cadela tem geralmente duas gestações por ano, em média 12 crias, e a partir daí o número de nascimentos vai crescer em progressão geométrica, pois mãe e filhas continuam a reproduzir-se. Por isso, ao fim de 5 anos – se não houvesse mortalidade por doença, acidentes, etc. – existiriam 12.680 animais» explica ao SOL Margarida Garrido, responsável pelo movimento Campanha de Esterilização de Animais Abandonados, criado em 2009.

Para Margarida, a verba devia ser maior e a medida peca por tardia: é que, em outubro, os abates nos canis por motivos de sobrepopulação passam a ser proibidos. Assim foi instituído pela Lei n.º  27/2016, que «estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população, privilegiando a esterilização». É certo que o diploma entrou em vigor quase há dois anos, mas o artigo 5.º já instituía que a proibição do abate entraria em vigor dois anos depois. Isto porque a ideia era que o financiamento, só agora aprovado, o tivesse sido mais cedo. Só com estas verbas é que os canis conseguiriam fazer a transição do abate para a esterilização por rotina.
«Enquanto associação, temos vindo a constatar que, desde que a lei está em vigor (outubro de 2016), o número de Câmaras que têm esterilizado os animais para adoção é de cerca de metade dos municípios existentes. Portanto, o número de animais que têm sido esterilizados é muito reduzido. Não é o suficiente», denuncia Margarida Garrido.

Um processo longo

O movimento Campanha de Esterilização de Animais Abandonados surgiu, explica a responsável, com o objetivo de «divulgar a ideia da utilização da esterilização para lutar contra a sobrepopulação de cães e gatos e evitar o abandono e os abates nos canis». A batalha que agora culmina na aprovação do financiamento é o resultado de um longo percurso, no qual este movimento teve um papel especialmente ativo, como conta Margarida Garrido ao SOL.

«O ano passado tinha havido uma reunião em setembro com representantes das secretarias de Estado das Autarquias Locais e da Agricultura e tinha-nos sido falado de um despacho que ia ser publicado com uma verba de 800 mil euros para financiar 20 mil esterilizações das Câmaras. Depois, o despacho nunca saiu e a justificação foi que não havia dinheiro», recorda Margarida.

Foi aí que a associação decidiu  começar a pressionar os partidos.  Avançou com uma petição, que solicitava a inclusão no Orçamento de Estado de uma verba de 800 mil euros para financiamento de esterilizações nos canis municipais   – e que reuniu as quatro mil assinaturas necessárias para ser discutida em plenário na Assembleia da República, discussão que ainda não está agendada. Apesar de o despacho sobre o financiamento ter entretanto sido publicado em Diário da República, a responsável da associação defende que a petição não perde  a pertinência. «A petição visava a inclusão de uma verba no OE de 800 mil euros. O despacho só disponibliza 500 mil euros. Por isso, a petição é útil para que os partidos se apercebam de que essa verba é insuficiente e o digam ao Governo», acredita.

Além da petição, o movimento dinamizou um abaixo assinado de associações de animais e grupos protetores que foi entregue aos partidos representados na AR e ao primeiro-ministro António Costa e que reuniu assinaturas de mais de metade das associações de animais do país. «Como estávamos com pouca esperança de  que o Governo fizesse um despacho por si, queríamos que os partidos obrigassem, na AR, o Governo a fazê-lo. Finalmente, houve uma audição parlamentar dos secretários de Estado da Agricultura e Alimentação, Luís Medeiros Vieira, e do secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, a 2 de março, organizada pelo Bloco de Esquerda», recorda. Nessa ocasião, Luís Medeiros Vieira anunciou que ia sair um despacho com os apoios à esterilização. 

Como vai ser aplicado o dinheiro?

O despacho que aprova o financiamento é claro: os beneficiários do apoio são as autarquias e as entidades gestoras de centros de recolha oficial de animais de companhia (CRO) intermunicipais. Quanto ao dinheiro, deve ser aplicado na esterilização de animais errantes no prazo de 15 dias de terem sido recolhidos pelos CRO, com a condição de não terem sido reclamados. Posteriormente, os animais devem ser encaminhados para adoção. 

O despacho especifica mesmo valores: 15 euros pela esterilização de um gato macho, 30 para um cão macho, 35 para uma gata e 55 para uma cadela.

Contudo, nem tudo é assim tão linear. «Há animais com dono que se encontram em situações negligentes e estão nas ruas, que vão tendo ninhadas e depois as pessoas dão os bebés ao tio, ao avô, ao amigo, e esses animais acabam entregues nos canis», alerta Margarida. «O objetivo é reduzir as ninhadas. Portanto, se há uma cadela com um dono carenciado e ela anda permanentemente a parir, esse animal deverá ser esterilizado, porque não é esterilizando apenas os animais nos canis que se reduz a população». 

É por isso que, para esta ativista, o importante está agora do lado das autarquias e passa por «elencar a lista de animais prioritários para esterilizar, nomeadamente as fêmeas – quer sejam cadelas ou gatas – para evitar o nascimento de mais ninhadas». Apesar de o despacho já ter entrado em vigor, continua pendente uma peça fundamental para que o processo possa arrancar: a disponibilização de um formulário no site da DGAV que possibilite que as Câmaras se registem na entidade para começarem a fazer as esterilizações.