Temos pena

Temos pena é uma expressão irónica que entrou na moda nos últimos anos. Assim, eu posso dizer que tenho pena dos que defendem a redução, a curto prazo, da carga fiscal em Portugal. Isso não vai acontecer.

Segundo o que leio no Jornal de Negócios, quatro economistas de esquerda, do qual o mais destacado é o deputado do PS (embora, segundo creio, seja independente) Paulo Trigo Pereira defendem, num livro a lançar hoje, 10 de abril, que a carga fiscal não deverá descer significativamente antes de 2021. Porquê? Essencialmente, devido às que os autores defendem serem as duas principais vulnerabilidades da economia portuguesa: os elevados endividamento público e externo.

Além disso, há outras razões. A primeira, que Mário Centeno gosta de apontar, é que o rigor orçamental dita a recuperação da nossa credibilidade externa. Só o empenho, registado pelos mercados finananceiros, do atual governo em manter as contas públicas em ordem tem permitido subidas no rating da República Portuguesa de “lixo” para “grau de investimento”, com a paralela redução das taxas de juro e a consequente poupança nos juros. Mesmo assim, eles custam-nos 3,9% do PIB (total da produção do país), o que apesar de tudo é salvo erro o valor mais reduzido desde 2010. Todavia, é um valor muito elevado. Como todos sabem, o dinheiro gasto em pagar juros teria melhores aplicações. Mas os diversos grupos de interesse pensam, em primeiro e em último lugar, no seu próprio bem-estar, e não no bem-estar coletivo

 Claramente, os que estão agradados com as políticas do atual governo são os mercados financeiros. E, como alguém disse um dia, os mercados financeiros são os comentadores políticos mais cínicos do mundo. Bem podem os comentadores da comunicação social apontar isto ou aquilo ao governo. O que realmente conta são os 1,6% que o mercado de dívida cobra por emprestar dinheiro a Portugal no prazo de dez anos. 1,6%, e não 16% como há poucos anos

Evidentemente, isso não se faz sem custos. Em primeiro lugar, a carga fiscal subiu em 2017, para 34,7% do PIB, o valor mais elevado desde que há registos. Como o PIB nominal subiu 4,1% (crescimento real do PIB mais inflação), e a receita fiscal subiu 4,8%, a carga fiscal aumentou. Onde os resultados foram realmente muito bons foi na segurança social, onde as receitas aumentaram 7% em 2017, fruto do aumento do emprego e da descida do desemprego (não são exatamente a mesma coisa: neste momento há pessoas que tinham desistido de encontrar emprego, os chamados desencorajados, que não contavam como desempregados, e que agora voltaram ao mercado de trabalho).

Por fim, há a questão da degradação dos serviços públicos, em particular do Sistema Nacional de Saúde. É esta perda de qualidade que faz com que, noticia hoje o Diário de Notícias, consultas que deviam ter um tempo de espera máximo de dois meses tenham, na prática, demoras de três anos. E que faz com que pessoas que ganham o salário mínimo nacional optem por ter um seguro de saúde, para terem cuidados médicos de qualidade. O SNS definha, essencialmente por falta de financiamento. Se bem que seja um setor onde, nas palavras do meu professor de Logística no MBA, “existem desvios da ordem dos 25%, e toda a gente vive bem com isso”.  Uma frase com duplo sentido, bem à moda do Porto, onde fiz o MBA.

Penso que já contei aqui esta história, mas como já foi há muito tempo, vou repeti-la. Vivi alguns anos na Bélgica, onde trabalhei como analista fundamental de ações. Se, por um lado, sendo licenciado, não ganhava tão pouco como um empregado de café, por outro, como não chefiava quem quer que fosse, sendo apenas um técnico especializado, o meu salário também não era excecional. Pagava os meus impostos, mas o pior era quando recebia o subsídio de férias ou de Natal: subia de escalão, e era um pouco deprimente constatar que mais de metade do salário bruto tinha ficado pelo caminho, descontado pelo fisco e pela segurança social.

Assim, por uma questão de hábito, não tenho pena de quem paga impostos elevados. E, se acharem a situação portuguesa insustentável, injusta e escandalosa, podem sempre emigrar para o Brasil, onde a carga fiscal é mais reduzida do que em Portugal, mas onde rapidamente se verão a braços com outro tipo de problemas. Afinal, quanto estamos dispostos a pagar para que o Estado não nos falhe no essencial? Eu, pessoalmente, estou disposto a pagar muito