Quantos são?

O Google é uma ferramenta cada vez maisrelevante no processo de compra de um automóvel, não é possível cortar relações sem correr o risco de perder agressividade comercial.

Há pouco tempo discutíamos numa reunião a situação de um construtor automóvel e, quando começámos a falar de concorrência, alguém disse o nome do Google. Como normalmente acontece quando o disparate é grande ou a ideia suficientemente provocadora, fez-se silêncio e prestámos atenção ao argumento de suporte. A tese é simples: a partir do momento em que o Google investe no desenvolvimento do self driving car, passa automaticamente a ser concorrente dos fabricantes de automóveis. E está certo.

Entender a concorrência é fundamental para o sucesso de qualquer negócio. Independentemente das características vencedoras do produto, sem uma boa análise do que vai captar a atenção e a carteira das pessoas que o compram, não é fácil traçar uma estratégia vencedora.

O caso do setor automóvel é particularmente interessante. Uma indústria em profunda transformação, com os construtores a competirem para ver quem consegue vingar num cenário em que se quer reduzir a dependência do petróleo e limitar o impacto ambiental causado pelo transporte de pessoas e mercadorias. Nesta contenda entram não só as tradicionais marcas do setor, os grandes construtores de Detroit a Aichi, como marcas relativamente recentes como a Tesla, além de outras bem estabelecidas noutras áreas como o Google. Acrescenta-se ainda uma longa lista de fornecedores de soluções de mobilidade como a Uber, Cabify, DriveNow, E-cooltra, etc. Nem todas vendem carros.

É muito comum fazer uma análise da concorrência e comparar marcas e produtos com uma proposta de valor semelhante. E depois perder muitas horas a dignificar pontos de diferenciação ou apetites do consumidor por vezes demasiado insignificantes para sustentar uma proposta diferenciadora. Serão os modelos Golf ou Astra assim tão diferentes? Ou são as famílias que os usam que não têm nada em comum? 

Para perceber o ambiente concorrencial, não basta olhar para quem faz coisas parecidas com as nossas. Muito provavelmente é a análise mais redutora que podemos fazer e que dificilmente conduzirá a soluções verdadeiramente novas. As pessoas querem carros ou estão mais preocupadas com a mobilidade? Um exemplo caricato (um episódio narrado por um publicitário e que até por ser ficção) é sobre um pedido feito a um grupo de engenheiros para melhorar a viagem de TGV entre Paris e Londres. A solução apresentada implicava um investimento de muitos biliões de euros num melhoramento da linha, que iria permitir reduzir o tempo de viagem em cerca de trinta minutos. Perante o mesmo desafio, um grupo de publicitários sugeriu pegar na mesma verba, comprar caixas dos melhores vinhos franceses e contratar top models para servir os passageiros durante a viagem. Certamente as pessoas pediriam para a viagem durar, pelo menos, mais meia hora. E acreditando nas contas dos publicitários, ainda se poupava algum dinheiro.

Perceber a concorrência deve ser, antes de mais, um exercício de identificação de uma necessidade. Deixo de lado a discussão sobre se o marketing tem como papel criar necessidades. Mas se o ponto de partida for a identificação de uma necessidade vamos seguramente considerar um maior número de soluções e aumentar exponencialmente a capacidade de criar diferenciação. Optar por soluções de empresas semelhantes é essencialmente uma questão de eficiência, empatia e preço. Não é o caminho da inovação e da diferença. 

Quando ouvi falar da concorrência do Google ao setor automóvel achei estranho. O Google é uma ferramenta cada vez mais relevante no processo de compra de um automóvel, não é possível cortar relações sem correr o risco de perder agressividade comercial. Mas quando não os podes vencer, há outras alternativas.

Shared media, as parcerias, conciliam os pontos fortes e a ação de duas marcas para a concretização do mesmo propósito. Acredito que é aqui que está o futuro das empresas numa dimensão muito maior do que a média que usam, a sua comunicação ou toda a estratégia de marketing. Um operador de telecomunicações precisa de ser cada vez mais próximo dos fabricantes de equipamentos, o construtor automóvel dos novos fornecedores de soluções e mobilidade, talvez até o fabricante de salsichas deva ser parceiro de movimentos vegetarianos. 

No caso das agências de publicidade, mesmo sem conhecer os detalhes da proposta de um concorrente – e que são muitas vezes decisivos para a conquista de um projeto – sei o que vão tentar vender. Eles sabem o mesmo sobre a minha empresa. Fico sempre mais preocupado, mas também mais entusiasmado, quando disputamos um projeto com outro tipo de parceiros, que para o mesmo problema vão apresentar soluções que não conhecemos. E mesmo aqueles que são os nossos maiores concorrentes podem ser, noutras circunstâncias, o nosso principal aliado. Se um construtor automóvel decidir disponibilizar um motor de busca nos seus carros, qual acham que vai ser?
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media