«Eu sou um pobre provinciano que andou na política durante uns anos». Esta foi uma das frases mais marcantes expressa por José Sócrates durante os interrogatórios no âmbito da Operação Marquês, cujas imagens foram divulgadas recentemente na SIC. Os depoimentos de outros arguidos neste caso, como o antigo líder do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, e o ex-administrador da PT, Zeinal Bava, também foram divulgados. Esta transmissão surgiu na mesma altura em que se soube que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, Carlos Alexandre, estipulou um prazo limite para ser aberta a fase de instrução.
A difusão das imagens gerou várias críticas dentro do meio judicial. O Ministério Público (MP) instaurou um inquérito para investigar a divulgação dos vídeos, realçando que este é um ato proibido: «A divulgação destes registos está proibida, nos termos do art.º 88º n.º 2 do Código de Processo Penal, incorrendo, quem assim proceder, num crime de desobediência», referiu o MP, numa resposta à Lusa.
Esta situação motivou também uma reação da Ordem dos Advogados, que repudiou a transmissão das reportagens. «A liberdade de imprensa constitucionalmente consagrada é, como a quase totalidade dos Direitos e Liberdades, circunscrita por limites impostos por outros interesses e bens jurídicos de igual ou superior dignidade constitucional, como o sejam os direitos fundamentais dos sujeitos do processo penal, maxime dos arguidos, as pessoas que se encontram como visados pela investigação criminal e que, só por isso, já se encontram na posição mais fraca da contenda com o poder penal do Estado», refere um comunicado emitido na quarta-feira.
Os advogados dos arguidos também já começaram a exigir que fossem apuradas responsabilidades: a defesa de Ricardo Salgado já requereu ao DCIAP a abertura de um processo-crime a propósito da divulgação dos vídeos dos interrogatórios. A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, também disse ontem que quem divulgou os vídeos deve ser punido.
Vírus: Juiz não decreta nulidade das escutas
As defesas de José Sócrates e de Ricardo Salgado tinham pedido que as escutas de conversas relativas ao ex-primeiro-ministro e ao banqueiro fossem consideradas nulas devido à presença de um vírus informático, mas o juiz Carlos Alexandre decidiu esta semana manter as escutas como válidas.
«Mostra-se garantido o acesso pelos arguidos a todas as sessões de interceção produzidas ou recolhidas nos presentes autos em paridade de armas com a acusação», refere o juiz num despacho a que o SOL teve acesso, decidindo: «Indefere-se a requerida nulidade das interceções telefónicas aqui utilizadas como prova».
Os problemas em torno dos vírus detetados pelas defesas contribuiu para que o caso Marquês marcasse passo nos últimos meses. Mas o juiz Carlos Alexandre definiu já uma data limite para o início da fase de instrução – fase optativa em que se decide se existem indícios suficientes para levar os arguidos a julgamento: «Tudo ponderado, entende o juiz de instrução criminal signatário fixar em setenta dias o prazo de prorrogação para requerer a abertura de instrução, contados a partir de 9 de maio, isto é, fixando-se como prazo limite, para tal efeito, o dia 3 de setembro de 2018».
Carlos Diogo Santos e Joana Marques Alves