Levar a tribunal agentes da Polícia é sempre um problema muito delicado. Porque, no fundo, é colocar a autoridade do Estado no banco dos réus. E é dar um rebuçado à delinquência: os malfeitores exultam ao verem um agente da Polícia sentar–se no lugar que habitualmente está reservado para eles.
Por outro lado, é preciso pensar que ser polícia é uma profissão muito difícil. Os agentes têm de lidar frequentemente com situações complexas, em ambientes de marginalidade, no meio de grande tensão psicológica e riscos físicos, pelo que um certo exagero no uso da força não só se compreende como por vezes se justifica, para evitar males maiores.
Ainda por cima, os perigos a que a Polícia se sujeita revelam-se por vezes inglórios. Quantos agentes não se têm arriscado em perseguições e detenções de alta dificuldade e perigosidade – para depois verem os detidos serem libertados pelos juízes? Acredito que seja altamente frustrante…
Por isso, os ataques às intervenções policiais, vindos em geral da esquerda, devem ser olhados com muita desconfiança. À esquerda sempre conveio a fragilidade do Estado, para melhor poder agir.
Vem isto a propósito do julgamento que se iniciou esta semana do subcomissário Filipe Silva, que espancou um adepto do Benfica a seguir a um jogo em Guimarães.
As imagens captadas em exclusivo pela CMTV são brutais. Vê-se o subcomissário a falar com um fulano vestido com uma camisola encarnada, percebe-se que há uma troca de palavras, de repente o agente agarra no homem e empurra-o contra um muro, um indivíduo mais velho tenta perturbar a ação do agente e este vira-se e dá-lhe dois murros, depois volta a interessar-se pelo de camisola vermelha, atira-o ao chão, dois miúdos (dos seus 8 e 13 anos) tentam também intervir mas são impedidos por outros agentes, o subcomissário retira o bastão metálico do cinto e começa às bastonadas ao homem caído, depois vira-o, mete-lhe o joelho nas costas e finalmente entrega-o a dois outros agentes, que o retiram de cena. Enquanto isto, o miúdo mais pequeno é consolado por dois outros guardas, que o cobrem para não ver a agressão.
Os dois miúdos, como se previa, eram filhos do homem agredido – e o mais velho era o pai.
Esta cena coloca dois tipos de questões: umas de natureza humana, outras de natureza profissional.
As de natureza humana têm sobretudo a ver com o seguinte: como é possível um homem, em situação de superioridade clara (pois é agente da autoridade), espancar brutalmente um fulano, ainda por cima à frente do pai e dos filhos? Mesmo que se sentisse insultado, deveria pensar duas vezes antes de iniciar a agressão naquelas circunstâncias, com as crianças e o indivíduo mais velho a assistir. E, para cúmulo, esmurrando este, que apenas tentava (naturalmente) defender o filho.
As de natureza profissional podem colocar-se assim: um agente graduado, que comanda uma força policial, não pode perder daquela maneira o controlo sobre si próprio. Com a agravante de o fazer na presença daqueles que comanda – mostrando-lhes a sua fraqueza psicológica e dando-lhes um péssimo exemplo. E tudo isto numa situação sem grande stresse, pois os agentes encontravam-se em grande superioridade numérica e não estavam a ser atacados por adeptos nem corriam qualquer perigo. Tratou-se de uma violência gratuita, sem sentido, produto de má índole ou de descontrolo nervoso do subcomissário. Em qualquer dos casos, totalmente inadmissível num responsável policial.
Acresce que, no tribunal, Filipe Silva terá dado mostras de grande frieza no depoimento que prestou. Ora, na sala de um tribunal um agente mostra-se frio e calculista, e no exercício da sua atividade profissional descontrola-se? Custa a perceber…
‘Se queres ver o vilão, mete-lhe a vara na mão’ – assim reza o ditado. Aquela cena ocorrida em Guimarães, depois de um jogo entre o Benfica e a equipa local, ilustra na perfeição esta verdade. O subcomissário Filipe Silva pode ter sido muito bom noutras alturas – mas naquela revelou não ter condições para ser agente da autoridade. Muito menos num lugar de comando.