Fizz. “Achei que ele estava a ser tótó ao salvaguardar quem não fazia nada por ele”, diz irmã de Orlando Figueira

Ouvida hoje como testemunha, a irmã do antigo procurador do DCIAP admitiu ter ido abrir a conta a Andorra para que recebesse dinheiro de Angola e disse não ter concordado com a estratégia inicial de proteger o banqueiro Carlos Silva e o advogado Daniel Proença de Carvalho

A irmã do procurador do DCIAP que está a ser julgado pelo alegado recebimento de subornos do ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente disse hoje em tribunal ter ficado surpreendida com a detenção do irmão e com o facto de este ter aceitado num primeiro momento proteger o banqueiro Carlos Silva e o advogado Daniel Proença de Carvalho.

Segundo Maria Figueira, foi na primeira vista que fez a Orlando Figueira na prisão de Évora que ficou a saber de um suposto acordo de cavalheiros com Daniel Proença de Carvalho com o objetivo de o antigo procurador não contar nos interrogatórios três informações relevantes: Que tinha sido contratado por Carlos Silva; que Proença de Carvalho tinha tido uma intervenção, enquanto advogado do banqueiro, na cessação do seu contrato de trabalho; e que tinha aberto uma conta de Andorra para receber parte do dinheiro acordado com o banqueiro.

“Disse-lhe que não achava normal, porque um acordo de cavalheiros não fazia sentido. Mas o meu irmão como era um ingénuo genuino…”, argumentou Maria Figueira, justificando assim que o antigo magistrado tenha aceitado ficar mais alguns meses preso sem abrir o jogo à Justiça.

Questionada pelo coletivo sobre o porquê de não ter chamado o irmão à razão e de não tê-lo feito mudar de ideias, a testemunha começou por explicar dirigindo uma pergunta ao juiz: “Já alguma vez teve alguém nestas condições? Quando se tem não há discenimento. Eu estava ali na primeira visita… eu parto do principio que o meu irmao é inocente, que alguma coisa correu mal e ele diz que tinha feito aquele acordo de cavalheiros.”

Para frisar a ingenuidade de Orlando Figueira, uma caracterísitca que o próprio tem assumido para justificar algumas atitudes na sua passagem para o setor privado, disse que o arguido chegou mesmo a ficar agradecido, quando estava preso, pelo facto de Carlos Silva pagar os honorários do seu advogado – algo que, segundo a versão de Orlando Figueira, fazia parte do acordo de cavalheiros celebrado.

“Achei que ele estava a ser tótó, porque estava a salvaguardar quem não fazia nada por ele”, reforçou a irmã do antigo procurador, revelando que a partir de determinada altura começou a discordar do irmão e da sua estratégia de defesa. Até porque considera que neste caso, só havia um cavalheiro: Orlando Figueira.

O cofre em nome da empresa da irmã

No âmbito da investigação foram encontrados dois cofres: um com dinheiro e jóias e outro com documentos. Segundo Maria Figueira, apesar de ambos estarem em nome da sua sociedade, um pertencia-lhe e outro era do irmão, exatamente para que guardasse documentação que considerava relevante.

Apesar de ao longo de toda a audiência ter dito por diversas vezes não entender as perguntas que lhe estavam a ser feitas pelo coletivo, chegando até a brinacar que estaria um pouco “lerdinha”, Maria Figueira esclareceu neste caso ser normal as quantias avultadas encontradas no seu cofre.

“Não acho que seja muito dinheiro [130 mil euros no cofre]. Se calhar para quem recebe o ordenado mínimo…”, disse, adiantando: “Até chegava a ter mais. Se fossem lá um ano antes ou um mês depois…”

Justificou ainda o facto de dentro do cofre estarem notas de 500 euros com o facto de por vezes emprestar dinheiro ao irmão e de este lhe devolver sempre que ia a Andorra levantar dinheiro da sua conta: “Era usual emprestar ao irmão porque Andorra ainda é longe e só se podia trazer 10 mil euros de cada vez. E quando trazia, trazia em notas de 500 euros. Eu ficava contente porque ocupava menos volume”.

Segundo Maria Figueira, a conta em Andorra foi aberta na sua presença, tendo ficado em nome do irmão e do sobrinho. Tudo porque o marido de Maria Figueira era diplomata e estava em serviço no Iraque tendo ambos também necessidade de ter uma conta em Andorra. É nesse contexto que, conta, quando o irmão lhe diz que precisa de abrir uma conta num paraíso fiscal – condição que Orlando Figueira por diversas vezes disse sido imposta por Carlos Silva para reber parte dos honorários – Maria Figueira se disponibilizou para ir consigo.

O alegado esquema da corrupção

Na Operação Fizz estão em causa crimes de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal. Orlando Figueira é suspeito de receber luvas de 760 mil euros de Manuel Vicente para arquivar inquéritos que o visavam.  Os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires, homem de confiança de Vicente, são, segundo o MP, os intermediários do esquema.

As defesas têm afastado ao longo de todo o julgamento qualquer ligação entre a Sonangol (e o seu antigo presidente Manuel Vicente) e a Primagest, sociedade que contratou Figueira e através da qual foram pagos ao antigo magistrado grande parte dos montantes. 

Os arguidos dizem que a saída de Figueira do DCIAP foi consequência de um convite do banqueiro Carlos Silva, presidente do BPA e vice presidente do Millennium BCP. Uma tese que tem sido reforçada com depoimentos de diversas testemunhas. Orlando Figueira não teve em mãos qualquer investigação contra este banqueiro.