Fizz. semana decisiva chega com fantasma de mais retaliações

Após Angola ameaçar com a saída do embaixador de Lisboa, outras hipóteses estarão já a ser estudadas. Isto numa altura em que se aproxima a audição decisiva do banqueiro Carlos Silva. 

Há muito que a Operação Fizz está a abalar as relações entre Lisboa e Luanda, mas com o julgamento a aproximar-se do fim há consequências cada vez mais visíveis. Na próxima semana será ouvido o banqueiro luso-angolano Carlos Silva, testemunha chave no processo desde que o antigo procurador revelou a versão de que foi o banqueiro a contratá-lo e não o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente, como defende a acusação.

O executivo angolano nunca escondeu o desconforto com a acusação do ex-vice-presidente Manuel Vicente, mas a recente ameaça de Angola de não enviar para Lisboa o novo embaixador é reflexo de que o incómodo vai dar mesmo lugar a retaliações. E nos bastidores existem já outras que são faladas como possibilidade, caso o desfecho da Operação Fizz não seja aquele que Angola há muito pede – ou seja, o envio do processo para a justiça de Luanda para que Vicente responda naquele país. Apesar de ser arguido, o antigo governante angolano não está a ser julgado com os restantes, tendo o seu processo sido separado.

Fontes ouvidas pelo SOL não descartam a hipótese de Angola vir a dar um prazo a Portugal para tomar uma decisão definitiva, definindo consequências para o caso de essa data não ser respeitada. Além da não colocação do Embaixador, estuda-se a hipótese da saída do cônsul, o corte nos vistos concedidos a portugueses e ainda uma redução dos trabalhadores em território angolano – que pode chegar aos 50%.

É neste contexto que o vice-presidente do Millennium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico será ouvido em Lisboa na próxima semana. E o seu depoimento será fundamental para esclarecer o coletivo sobre se foi ele, Carlos Silva, quem contratou o antigo procurador OrlandoFigueira para o setor privado (através da sociedade Primagest) – como defende o arguido – ou se foi Manuel Vicente, como refere a acusação.

Carlos Silva aceitou vir a Lisboa depor depois de o tribunal ter tentado por diversas vezes notificá-lo e de ter decidido participar do Banco Privado do Atlântico por desrespeito e falta de colaboração com a Justiça. Inicialmente a hipótese avançada era que a audição fosse feita por videoconferência, tendo depois sido acordado que viria pessoalmente ao Campus da Justiça na próxima semana.

Costa já disse em abril entender a posição de Luanda

O primeiro-ministro disse há um mês entender a posição de Luanda sobre o processo em que o ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente está acusado de corrupção. Numa entrevista à Visão, António Costa afirmou mesmo que caso um Presidente português ou um primeiro-ministro fossem alvo de um processo-crime num outro Estado também Lisboa tentaria fazer valer as imunidades a que têm direito. 

Questionado sobre quando seria explicado a Angola que o poder político em Portugal nada pode fazer para influenciar a Justiça, Costa deixou clara a sua posição: «Portugal não tem de dizer nada de especial a Angola, cada um dos países aplica as suas leis, soberanamente».

Segundo o primeiro-ministro disse na altura, a Operação Fizz não estava a ter consequências maiores, nem a interferir nos negócios nem no dia-a-dia dos portugueses que vivem naquele país. Uma situação que parece estar a ganhar novos contornos nas últimas semanas. Isto apesar das garantias dadas a Portugal por João Lourenço e lembradas na entrevista pelo primeiro-ministo. «O Presidente João Lourenço já esclareceu, após encontros comigo em Abidjan e em Davos, que, com exceção de visitas dos Presidentes da República ou primeiros-ministros dos respetivos países, tudo o resto, do ponto de vista económico, social, político, tudo decorre na normalidade», disse.

A Operação Fizz e a entrada de outros personagens

Segundo a acusação, de um lado está um procurador, Orlando Figueira, alegadamente corrompido, e do outro um ex-vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente, que supostamente o corrompeu com vista a obter o arquivamento de dois inquéritos em que era visado.

Como contrapartida, defendem os investigadores, Vicente arranjou um trabalho no privado a Figueira, tendo este deixado por esse motivo o DCIAP – as contrapartidas terão sido superiores a 760 mil euros.

Mas o caso tem assistido a revelações bombásticas. Em vésperas do início do julgamento, Orlando Figueira e Paulo Blanco, advogado que representou o estado angolano em vários processos e arguido na Operação Fizz, trouxeram para o centro da alegada teia outros personagens influentes, como é o caso do banqueiro angolano Carlos Silva e do advogado português Daniel Proença de Carvalho.

Defendem os arguidos que Manuel Vicente nada teve a ver com este caso e que foi Carlos Silva que contratou, através da Primagest, o antigo procurador depois de várias reuniões tanto em Lunada como em Lisboa. Sobre a intervenção de Proença de Carvalho, advogado do banqueiro, dizem que esta aconteceu em fases posteriores: primeiro, para por fim ao contrato com a Primagest e depois para fazer um «acordo de cavalheiros» com Orlando Figueira no sentido de este nunca falar do seu nome nem do de Carlos Silva nos interrogatórios judiciais.