PSP. 42 dias e 42 noites a vigiar o Festival da Eurovisão da Canção

É uma das maiores operações de segurança de que há memória em Portugal e é liderada por uma mulher. Mais de cinco mil polícias estão no terreno, num evento considerado de risco.   

PSP. 42 dias e 42 noites a vigiar o Festival da Eurovisão da Canção

Há um ano, no momento em que Salvador Sobral ganhava a Eurovisão, o telemóvel da subintendente da PSP Ana Neri tocava em Lisboa. Era uma colega da Polícia: com a vitória portuguesa, o próximo festival seria em Lisboa e, muito provavelmente, Neri iria liderar as operações de segurança. «Ainda não sabemos se será no Altice Arena», respondeu-lhe. «Onde mais poderá ser?», insistiu a colega.

Pouco tempo depois, arrancava o desenho de uma das maiores operações de segurança em Portugal. E Ana Neri – comandante da divisão da PSP dos Olivais, responsável pela área do Parque das Nações – foi mesmo chamada a chefiar os mais de cinco mil elementos da Polícia que estiveram no terreno até este fim-de-semana para garantir a segurança da Eurovisão.

A responsabilidade é grande. Os serviços secretos monitorizaram o grau de risco do evento durante meses a fio e avisaram que havia ameaças significativas. «Tendo em conta o risco, a dimensão do evento e o impacto que tem no estrangeiro, é a imagem de Portugal que está em causa», explica a subintendente. Nas últimas semanas, e muito particularmente este fim-de-semana, todos os olhos estão postos em Portugal: estima-se que mais de 250 milhões de pessoas assistam à Eurovisão, na Europa e na Ásia, passando pela Austrália e pelos Estados Unidos. «Qualquer incidente de segurança terá um reflexo negativo na imagem de Portugal no mundo», acrescenta Ana Neri.

Por isso, a PSP pôs no terreno todas as suas valências e em peso. Há snipers no telhado do Centro Comercial Vasco da Gama; agentes à paisana espalhados por todo o Parque das Nações com a missão de detetar comportamentos suspeitos; quase 20 câmaras de videovigilância posicionadas em pontos estratégicos e vistas atentamente e em tempo real no Posto de Comando Táctico (PCT), instalado na Sala Fernando Pessa do Altice Arena. Dia e noite. «Porque a Cidade da Eurovisão nunca dorme», garante Neri. 

É nesta sala – o centro nevrálgico das operações e onde têm assento representantes de todas as valências da Polícia – que se tomam as grandes decisões de segurança. Em frente, existe um outro espaço, mais pequeno, onde são feitos dois a três briefings diários: reuniões onde participam um sem número de entidades: da Proteção Civil ao INEM, do SIS à ANACOM. A estratégia discute-se aqui, entre quatro paredes forradas com plantas pormenorizadas do recinto do festival e do palco do Altice Arena.

«Estamos constantemente a rastrear e a monitorizar», descreve a subintendente da PSP. O objetivo último é só um: garantir que o recinto está permanentemente seguro. 

Nem uma carteira roubada

Das 43 delegações estrangeiras que participam na Eurovisão, onze foram avaliadas como apresentando um nível significativo de ameaça. Por isso, estes grupos têm sido permanentemente acompanhados por elementos do Corpo de Segurança Pessoal (CSP) da PSP – dentro e fora do recinto. A diversidade de países, de culturas e de sensibilidades políticas é, aliás, um dos maiores desafios colocados à Polícia. Exemplo disso são as inúmeras bandeiras da Palestina (em protesto contra a participação de Israel no festival), da Catalunha ou do País Basco que têm surgido dentro e fora da Cidade da Eurovisão. 

Ainda assim, com maior ou menor contestação simbólica, até ontem à tarde não tinha havido incidentes de maior. Uma das maiores preocupações da PSP – que estará no terreno 42 dias, de 4 de abril até 15 de de maio – eram os carteiristas, mas não se registou um único furto «Não porque os carteiristas não estejam no Parque das Nações, mas porque estão todos referenciados», ressalva Ana Neri.

Já houve, no entanto, pelo menos uma detenção. Uma host de uma delegação oficial foi apanhada a vender convites a que teve acesso gratuitamente. Tirando este incidente, problema de segurança só com drones que «pontualmente» têm invadido o recinto (o espaço aéreo está interdito). Primeiro foi um casal de brasileiros que decidiu brincar com um aparelho do género. E, na quinta-feira, uma delegação pôs um mini avião a voar para fazer filmagens aéreas. Apesar do controlo nas entradas ser apertado – feito com recurso a equipamentos como raio-x, raquetes, pórticos de deteção de metal e revistas manuais –, o certo é que estes drones foram levados à socapa para dentro no recinto. Da mesma forma que têm também entrado bandeiras independentistas, proibidas pelo regulamento da Eurovisão. 

«Há duas portas de entrada para o espetáculo e temos uma hora e meia para fazer escoar 11 mil pessoas, é uma tarefa gigante», descreve a subintendente. Também na quinta-feira, e no pico das revistas, a PSPmeteu os pés pelas mãos: um participante preparava-se para entrar no festival com uma bandeira LGBT. Mas os agentes confundiram-na com um símbolo da Greenpeace, que é proibida pelo regulamento. O dono da bandeira entrou, mas teve de a deixar para trás e cresceu um burburinho nas redes sociais. «A verdade é que confundiu-se as duas bandeiras, que são muito parecidas, foi mesmo só um lapso», diz Neri, que acrescenta: «O grande desafio é conseguir que entre só o que tem de entrar e que à hora do broadcast não existe nada de interdito dentro da sala». Mas já houve outros fails:na primeira semi-final, apareceu uma bandeira da Catalunha numa das primeiras filas do espetáculo. 

‘Ser firme, mas com empatia’

No policiamento da Eurovisão, os polícias têm de saber lidar com cinco públicos distintos: o público em geral, que compra bilhete, as delegações do países, que englobam cerca de 1200 pessoas, os jornalistas, os fãs convidados pelas delegações e têm privilégios dentro do recinto e o staff. E nem sempre é fácil conciliar as vontades e as necessidades de todos. E também as da produção do evento. 

Há quase um ano, quando a PSP recebeu o primeiro esboço do que seria a Cidade da Eurovisão, chumbou o plano, por não cumprir alguns requisitos de segurança. «Desde logo a localização dos geradores», recorda a subintendente Ana Neri. Os aparelhos estavam situados numa área «com vulnerabilidades» e, trando-se de equipamento estruturais, tiveram de mudar de lugar. Também os limites do recinto foram alvo de discussão. «Foi preciso conciliar as necessidades do espetáculo com as necessidades de segurança», sintetiza a oficial da PSP. O lema do dispositivo é fácil de memorizar e está escrito num quadro gigante no Posto de Comando Táctico: «Ser firme, mas com empatia».

Às 00h01 de segunda-feira, o dispositivo começa a desmobilizar da Cidade da Eurovisão. Aí, o trabalho de segurança entra na sua quinta fase: a de desmontagem. «Na fase de montagem, vieram 225 camiões carregados de material, que a partir de segunda-feira voltam para recolher o que trouxeram», explica Neri. Será mais um foco de atenção para a Polícia, sendo que os motoristas e as cargas estão devidamente identificados e, antes de chegarem ao Parque das Nações, passaram por pontos intermédios de controlo, onde tudo é passado a pente fino.

No meio da azáfama, sobra pouco tempo aos polícias para desfrutarem da Eurovisão. E mesmo no Posto de Comando Táctico, onde existe uma televisão gigante que transmite todos os ensaios, é dada pouca atenção à música. Mesmo assim, quase todos os agentes têm as suas canções favoritas. A de Neri, que tem feito todos os dias uma média de 30 quilómetros a pé dentro da Cidade da Eurovisão e que não dorme mais de quatro horas por noite há mais de um mês, é a de Israel. «Diverte-me», explica. A canção israealita é mesmo uma das favoritas, mas se ganhar pode vir a dar dores de cabeça à PSP: há rumores de que a Eurovisão não poderá realizar-se no país por razões de segurança. Se for assim, para o ano há mais Eurovisão no Parque das Nações.