PS ganhou ou perdeu?

O murro do PS em José Sócrates não foi uma manobra tática

O murro dado pelo PS em pleno rosto de José Sócrates, levando este a despedir-se do partido, foi visto por alguns como uma manobra tática.

A um ano e meio de eleições legislativas, os socialistas quereriam ver-se livres do ‘ativo tóxico’ que Sócrates representava.

Sobretudo, não quereriam enfrentar uma campanha eleitoral carregando Sócrates às costas, como um fardo.

Não partilho desta ideia.

Acho que a razão foi outra.

É preciso recuar um pouco no tempo e lembrarmo-nos de António José Seguro.

O que defendia Seguro?

Defendia uma separação clara no PS entre os interesses políticos e os interesses económicos.

E o que significava isso, trocado por miúdos?

Significava, para começar, a marginalização no partido dos dirigentes afetos a José Sócrates e dos que tinham colaborado mais ativamente com ele.

Ora, esta marginalização levantou uma tempestade interna.

Os socráticos reagiram e apelaram a António Costa.

E este, após uma falsa partida, decidiu mesmo avançar para a liderança do PS.

António Costa avançou assim, segundo as suas próprias palavras, para «refazer a unidade no partido».

E refazê-la como?

Permitindo o regresso dos socráticos a lugares de destaque.

Por isso mesmo, os rostos que começaram a aparecer nos ecrãs televisivos atrás de António Costa eram alguns notáveis do tempo de Sócrates, como Pedro Silva Pereira ou Jorge Lacão.

E não foi por acaso que António Costa incluiu no seu Governo vários ex-ministros e ex-secretários de Estado de José Sócrates: Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, Pedro Marques, etc.

António Costa fez essa aliança com os socráticos para conquistar o poder no PS.

Como, aliás, fez depois a aliança com as esquerdas para se tornar primeiro-ministro.

Costa faz as alianças que forem precisas para atingir os seus objetivos.

E também as desfaz.

Quando Sócrates foi preso, António Costa apressou-se a demarcar-se do caso – não caindo na armadilha de o defender e ficar colado a ele.

Mas também não rompeu com Sócrates.

Durante três anos e meio estabeleceu-se entre os dois homens um pacto de silêncio e não-agressão: Costa e os socialistas não atacavam José Sócrates, este não atacava o PS e o seu líder.

Até que surgiu o caso Manuel Pinho.

Como escrevi há oito dias, Pinho foi a gota de água que fez transbordar o copo.

Se o PS ficasse calado no caso Pinho, começava a correr o sério risco de ser visto como o ‘partido defensor dos corruptos’.

Não era aceitável que um partido que se diz de esquerda defendesse um homem que continuara a receber dinheiro de uma entidade privada depois de entrar para o Governo – e ainda por cima de uma entidade agora tão suspeita como o BES.

Assim, o PS, depois de uns momentos de hesitação, não pôde deixar de o condenar – e Sócrates acabou por vir a reboque.

Era difícil condenar Manuel Pinho e continuar a ignorar os escândalos do tempo de Sócrates.

Até porque as conversas telefónicas entre os dois homens mostravam uma grande proximidade, que se estendia a ‘situações’ menos claras.

As escutas agora publicadas dos contactos entre Sócrates e Pinho revelam que eles eram mais do que amigos – eram cúmplices.

A descarga de fogo sobre José Sócrates foi, assim, desencadeada pelo caso Pinho.

Acredito que, se este não tem ocorrido, a paz podre entre Sócrates e o PS prolongar-se-ia.

Por sua vontade, António Costa teria deixado a questão assim, em banho-maria, esperando pelo avanço do processo judicial, com o mínimo de ondas possível.

Até porque não tenho a certeza do que seria melhor para o Partido Socialista.

Seria melhor para o PS ter Sócrates calado, como sucedeu até aqui, ou ter Sócrates contra ele?

Se eu fosse líder do partido, preferiria a primeira hipótese.

José Sócrates sabe muito sobre o PS e, sendo um homem sem escrúpulos, pode tornar-se um adversário perigoso.

Atingido pelas balas daqueles que até há pouco o defendiam, Sócrates vai certamente reagir como um animal ferido. 

E os piores ataques são sempre os dos ex-amigos.

Uma palavra final para as notícias segundo as quais António Costa foi apanhado de surpresa pelas declarações de Carlos César.

São histórias da carochinha.

É que não foi apenas César que falou: foram também Galamba, Ana Catarina Mendes, Augusto Santos Silva.

E todos no mesmo dia: na quarta-feira da semana passada.

Tratou-se, portanto, de uma ação concertada.

se Costa não sabia de nada, é porque o PS já está em autogestão.

Ora, alguém acredita nisso?