Corrupção. Homem que abriu o jogo diz que compra de árbitros não é exclusiva do andebol

Paulo Silva já foi depor duas vezes ao DIAP do Porto, da segunda, sabe o i, para esclarecer mensagens recebidas de jogadores de futebol. Assume que cometeu crimes ao subornar árbitros de andebol, mas diz que o fez por amor ao clube e que está arrependido 

O Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto está a passar a pente fino a alegada compra de resultados por parte do Sporting em algumas modalidades – com enfoque no título de andebol da época 2016/2017. Segundo o i apurou, o futebol do primeiro escalão não está fora da mira dos investigadores, até porque já terão sido recolhidas informações, como mensagens de jogadores do desporto rei, que podem ser relevantes para o decurso da investigação.

Paulo Silva, um dos intermediários do alegado esquema, contou o que sabia e terá mesmo aceitado entregar o seu telemóvel ao Ministério Público para que fossem feitas diligências. É nesse aparelho que constarão diversas mensagens trocadas com um elemento alegadamente ligado ao Sporting, segundo noticiou ontem o “CM”, e das quais resulta que foi posto em marcha um esquema para que fossem comprados árbitros de andebol. De acordo com as mensagens publicadas pelo jornal no comando estaria André Geraldes, atual diretor de futebol do Sporting, havendo intermediários que falavam com os árbitros.

Assim que foi noticiado que estava em curso um inquérito-crime para apurar fraudes nos resultados do campeonato nacional de Andebol, a Procuradoria-Geral da República confirmou a informação, explicando que está a ser dirigido pelo DIAP do Porto e que neste momento se encontra em segredo de justiça.

Por seu lado, o Sporting fez saber que não se revê quem situações que desvirtuam a verdade desportiva e André Geraldes também reagiu dizendo ser totalmente alheio ao caso. 

Os pagamentos e o final feliz

De acordo com as mensagens divulgadas e a versão de Paulo Silva foram terão sido feitos pagamentos a árbitros para que na fase final do campeonato o Sporting ganhasse jogos e o FC Porto perdesse – uma vez que estava numa posição que ameaçava a conquista do título pelo clube de Alvalade, que já não era campeão nesta modalidade há 16 anos.

Os investigadores acreditam que o Sporting terá pago para que o Benfica ganhasse ao FC Porto e para que o Benfica perdesse contra os verdes e brancos, a 31 de maio de 2017. E assim aconteceu no jogo que entregou o título, tendo o Sporting vencido por 25-23.

Nas conversas trocadas antes do jogo entre Paulo Silva e um funcionário do Sporting – Gonçalo Rodrigues apontado como braço-direito de André Geraldes – divulgadas pelo “CM” pode mesmo ler-se o que o primeiro disse aos dois árbitros: “Disse-lhes, pá, pronto, ‘queremos muito ser campeões. Se as coisas estiverem complicadas, eh pá, tem de dar aí uma mãozinha’. Ele garantiu-me que não nos vai prejudicar. E ficou assim a conversa”.

E se a conversa agradou a Gonçalo Rodrigues, o desfecho do campeonato, com o clube de Alvalade a sagrar-se campeão nacional ainda mais: “Foi, foi, foi, foi muito bom. Liguei para o meu pai a chorar, porque a última vez que fomos campeões estava com ele na nave de Alvalade. Eu era pequenino na altura. E foi muito bom. É este o caminho que a gente tem que… Temos que ganhar em todas as modalidades, como no hóquei e no andebol e urgentemente temos que ser campeões no futebol também. É este o caminho. Grande abraço, desfrute!”

Receio de que FCP faça o mesmo

Mas se por um lado se fala sobre os pagamentos do Sporting, por outro fica claro pelas conversas que esse tipo de comportamentos é visto como generalizado. Numa delas é mesmo referido que não foi oferecido nada ao árbitro, por este ser próximo do FC Porto e este clube poder ter pago mais. 

“Este gajo… é um gajo chegado ao Porto, ok? E não quis estar com conversas muito claras porque estou a falar ao telefone. É o gajo com quem eu estive na Madeira, sim. Mas sei lá se o Porto não lhe ofereceu 2500 ou 3000 euros? E se eu lhe vou oferecer 1,5… o gajo diz: ‘Ó pá, este gajo vem com os putos à missa”, disse Paulo Silva a Gonçalo Rodrigues a 10 de maio, quando o clube de Alvalade se preparava para jogar com o Águas Santas.  

A confissão do intermediário

Paulo Silva, que intermediava a relação do Sporting com os árbitros, é um empresário de futebol adepto do Sporting. Admite agora que cometeu crimes, mas garante que o fez pelo seu “sportinguismo”. Ao “CM”, refere que recebia 350 euros por cada árbitro corrompido, mas adianta que era o que sentia pelo clube que o levou a fazer o que fez: “Só fiz isto para combater a fraude que já existia nas modalidades”.

Dizendo que nunca falou com André Geraldes ou com quem quer que fosse da estrutura do Sporting, Paulo Silva confessou  que um árbitro que abordou prometeu ajuda sem querer qualquer valor em troca e que o juiz que apitou o jogo Benfica-Porto recebeu dois mil euros, que lhe foram entregues em Braga.

Paulo Silva tem apontado às autoridades – e confirmou na entrevista àquele jornal – que este problema não é só do andebol nem só do Sporrting, mas sim de diversas modalidades e de diversos clubes.

O i sabe que após ter entregue o seu telemóvel no MP o empresário foi novamente chamado a depor por terem sido encontradas mensagens com jogadores de futebol.

As reações à investigação  

Logo após a confirmação da Procuradoria-Geral da República, ontem o Sporting reagiu falando logo na hipótese de este caso não se ficar por aqui, referindo que tudo não passa de uma campanha. 

“Estamos perante o primeiro capítulo de uma campanha, mais uma, que visa exclusivamente denegrir a imagem da instituição Sporting CP, a qual se estenderá, já o sabemos, a todas as modalidades do clube”, referiu fonte oficial do clube de Alvalade, adiantando: “O Sporting CP é um alvo a abater porque é o único clube que, genuinamente, continua a lutar e a querer transparência e verdade desportiva em Portugal”.

A mesma fonte disse que o clube está disponível para colaborar com as autoridades no apuramento da verdade.

Já André Geraldes disse ter sido surpreendido por “notícias caluniosas” a envolver o seu nome e disse estar de “consciência absolutamente tranquila”.

“Nada tenho a esconder e estou inteiramente disponível para colaborar no apuramento de toda a verdade de um caso, em relação ao qual sou completamente alheio”, disse.

A Federação de Andebol de Portugal (FAP) também reagiu durante o dia de ontem, anunciando que ao ter “tomado conhecimento de noticia que poderá configurar alegados ilícitos de natureza criminal” vai avançar com uma denuncia para o Ministério Público.

“Tendo em vista o apuramento de eventuais responsabilidades de natureza disciplinar, por parte de agentes desportivos que exerçam funções no seio e âmbito da modalidade, a direção efetuará participação, de imediato, ao Conselho de Disciplina da FAP”, referiu ainda em comunicado