O alegado esquema de corrupção levado a cabo pelo Sporting começou por estar conotado apenas com o andebol, onde haveria subornos a árbitros. Porém, o espetro alargou-se a várias outras modalidades e chegou agora ao futebol: seis jogos (um da época 2016/17 e cinco de 2017/18) em que a equipa leonina foi interveniente estão a ser investigados por suspeitas de corrupção de jogadores adversários por parte dos leões.
As denúncias partiram de Paulo Silva, que terá funcionado como intermediário em toda a operação e que agora entregou ao Ministério Público mensagens de WhatsApp (escritas e de voz) que supostamente comprovam um esquema de corrupção do Sporting também no futebol. Paulo Silva conta que foi abordado por João Gonçalves, empresário que mantém excelentes relações com André Geraldes, e Gonçalo Rodrigues, coordenador do Gabinete de Apoio ao Atleta e Modalidades Profissionais do Sporting e braço-direito de André Geraldes. Ainda na terça-feira, este pediu a suspensão de funções.
Nas mensagens de WhatsApp, escritas e de voz, difundidas pelo “Correio da Manhã” e pela SIC, Paulo Silva, João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues falam sobre jogos – e jogadores – específicos: o encontro em Guimarães, frente ao Vitória local, a 19 de agosto, e depois o jogo em Santa Maria da Feira, com o Feirense, a 8 de setembro. No primeiro, ganho tranquilamente pelo Sporting (0-5), o atleta vimaranense em causa é João Aurélio, lateral-direito do Vitória que tem ação direta em dois golos dos leões: faz a falta que origina o segundo golo leonino e falha a interceção da bola no lance que vai acabar no 0-3.
“Tudo certo? Falaste? O gajo está mesmo connosco? Não podemos falhar. É muito importante”, afirma João Gonçalves a três dias do encontro, ao que Paulo Silva responde: “Vai correr bem.” No fim do jogo, João Gonçalves está feliz. “Correu bem. O Aureas portou-se bem. Amanhã combinamos a entrega”, diz, acrescentando ainda que o “chefe gostou”, alegadamente referindo-se a André Geraldes. Paulo Silva responde “combinado amanhã perto do Afonso”, referindo-se ao Estádio D. Afonso Henriques, recinto do Vitória de Guimarães.
“Espaço para Dost”
Duas semanas depois, o Sporting vence de forma muito suada em Santa Maria da Feira: 2-3, com um penálti salvador cometido aos 90’+6’ pelo central feirense Luís Rocha, que havia entrado seis minutos antes. Neste caso, todavia, o jogador alegadamente aliciado pelos elementos ligados ao Sporting teria sido Bruno Nascimento, central brasileiro que foi titular e que está ligado aos dois primeiros golos dos leões – no primeiro, é um dos que falha na marcação a Coates; no segundo, não consegue evitar o golo de Bruno Fernandes, apesar da tentativa de corte acrobático em cima da linha.
“Já falei com o rapaz. E o que o rapaz me disse… eu perguntei-lhe: ‘Então, pá? Podia-se ter feito mais alguma coisa.’ E ele: ‘Ó cara, como posso fazer mais alguma coisa? Eu tinha dito que não ia dar escandaleira. Fiz o possível. Alheei-me do jogo muita vez. Fiz uma falta que podia ter dado golo. E se o [som impercetível] não tem feito penálti, eu fazia. Era a última chance para ganhar o meu’. Foram assim as palavras dele. Portanto, eh pá, se o chefe quiser pagar, paga, se não quiser pagar, não paga, estou-me a cagar para isso. Acho que o puto fez o trabalho dele. Muito honestamente.
Não foi escandaloso, mas fez. Se vires este jogo do Bruno e se vires o jogo do João Aurélio, epá se olhares para um e para o outro eu acho que este gajo teve muito mais influência que o João Aurélio”, diz Paulo Silva a João Gonçalves.
Noutra conversa com Gonçalo Rodrigues, Paulo Silva explica que o dinheiro proposto pelo Sporting para corromper os jogadores adversários não é suficiente, garantindo que um atleta que inicialmente havia aceitado a oferta acabou depois por voltar atrás com a palavra e até foi “dos melhores em campo”. “Temos ido com os putos à missa. Com pouco. Portanto, ou nós vamos de uma forma convincente… As pessoas têm de perceber que muitas das vezes ou se vai com um valor que mexa com as pessoas ou então mais vale estar quieto”, refere o empresário.
No geral, Paulo Silva pedia aos atletas – quase sempre defesas – para “darem espaço ao Bas Dost” e “facilitarem as vitórias” ao Sporting.
PJ em cima das tentativas
Estes são apenas dois dos seis jogos a ser investigados pela PJ – Vitória de Guimarães e Feirense reagiram entretanto, garantindo “total surpresa e estupefação” perante o tema. Mas há mais quatro encontros sob a mira da Polícia Judiciária no âmbito da operação Cashball: Aves (primeira jornada, a 6 de agosto), Estoril (quarta jornada, a 27 de agosto) e Tondela (sexta jornada, a 16 de setembro), já nesta época – todos vencidos pelos leões –, e ainda um com o Chaves, referente à temporada 2016/17 e que terá ocorrido em janeiro. Neste caso, resta perceber se no de dia 14, para o campeonato, ou no de dia 17, para a Taça de Portugal. Curiosamente, o Sporting não venceu nenhum dos dois (ao 2-2 no campeonato seguiu-se o 1-0 na Taça que ditou a eliminação dos leões).
É preciso, aqui, referir uma questão importante: nem todas as tentativas de subornar jogadores chegaram a ser efetivadas. Tal não significa, porém, que deixem de ser passíveis de investigação. O mesmo serve para a questão da culpabilidade dos jogadores em questão: até aqueles que rejeitaram as abordagens poderão ser indiciados por não ter denunciado as mesmas; os que aceitaram (se tal vier a ser provado) serão acusados de corrupção passiva, sendo irrelevante se a mesma se consumou ou não.
Queiroz Pereira pede demissão de Bruno
Manuel Queiroz Pereira, empresário e membro de uma das famílias mais ricas de Portugal – é sobrinho de Pedro Queiroz Pereira, líder da Semapa, e neto de um antigo presidente do Sporting -, enviou uma mensagem a Bruno de Carvalho onde pede a demissão do líder leonino, acusando-o de “arrastar o clube para o momento mais negro e vergonhoso da sua história”. “Embora nunca tenha sido seu apoiante, admito que no início do primeiro mandato fez um bom trabalho no Sporting. Nos últimos tempos tem feito tudo mal e destruído o capital obtido com o bom trabalho inicial”, começa por dizer.
A mensagem, a que o i teve acesso, entra depois num registo mais duro. “Conseguiu, de forma dramática e quem sabe irreversível, fazer com que os jogadores (o capital mais importante do nosso clube) não o respeitem e não queiram continuar a representar o Sporting enquanto este for presidido por si (…) Ninguém quer ficar num clube por si presidido. Não queremos um presidente à frente do nosso clube que incentiva ao ódio e que coloca os sportinguistas uns contra os outros. Quer queira, quer não, é o principal responsável por aquilo que aconteceu”, diz, referindo-se diretamente às agressões em Alcochete. Por fim, o pedido: “Demita-se e não espere por depois da final da Taça. Depois já vai ser tarde. Nem que seja só desta vez, pense primeiro nos interesses do nosso grande clube.”