O atual bastonário da Ordem dos Médicos e os cinco médicos que o antecederam entregam esta tarde a Marcelo Rebelo de Sousa uma declaração conjunta contra a despenalização da eutanásia. O gesto surge a uma semana de o parlamento votar as propostas do PS, BE, PAN e PEV para que a morte assistida passe a ser legal em Portugal.
Ao i, Miguel Guimarães, hoje à frente da Ordem dos Médicos, fala de uma posição que vai ao encontro do código deontológico dos médicos e rejeita que se possam estabelecer paralelismos com a oposição da Ordem à despenalização do aborto há uma década, considerando a atual discussão mais complexa, por envolver decisões de pessoas a passar por situações de grande sofrimento e que nem sempre têm o apoio devido por parte dos cuidados de saúde, diz.
Guimarães recusa, porém, reduzir o problema à falta de acesso aos chamados cuidados paliativos, tratamentos que visam reduzir o sofrimento em doenças em que não existe perspetiva de cura. Para o bastonário, importa refletir sobre a forma como se morre atualmente no país, fruto das mudanças na sociedade, de núcleos familiares mais pequenos e de uma longevidade maior. “Em Portugal, mais de 60% das pessoas morrem nos hospitais, que não têm os meios adequados para acompanhar estas situações. Há muitos idosos que não têm sequer visitas. Mesmo as equipas de cuidados paliativos, com a sobrecarga que existe, dificilmente terão uma ou duas horas para poderem estar a conversar com um doente que se sinta angustiado perante aquilo que está a viver.”
Marcelo já disse que não influenciará o debate com a sua visão sobre o tema. O atual bastonário dos médicos espera que uma decisão sobre esta matéria só seja tomada depois de um debate mais alargado, idealmente na próxima legislatura. “Não sei o que o Presidente da República vai fazer. O que acho é que as pessoas continuam mal informadas. É evidente que os deputados podem decidir o que quiserem, mas numa matéria destas, é estranho, no mínimo, que uma decisão seja tomada pela AR sem haver uma maior informação do público.”
Miguel Guimarães dá como exemplo debates públicos diferenciados em que ainda se confundem conceitos como eutanásia ou distanásia, o prolongamento da vida através de tratamentos fúteis, algo censurado pela deontologia médica.
O bastonário adianta que a Ordem vai promover sessões de esclarecimento sobre estes temas. No caso da distanásia, estão a organizar jornadas científicas de onde deverá sair um documento com orientações aos médicos para que sejam reduzidas situações em que são iniciados tratamentos que só aumentam o sofrimento dos doentes.
A audiência com Marcelo – em que estarão presentes, além de Miguel Guimarães, José Manuel Silva, Pedro Nunes, Germano de Sousa, Carlos Ribeiro e Gentil Martins – está marcada para as 17h em Belém. Uma hora mais tarde, na AR, o movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade – que lançou a discussão agora prestes a chegar a votação na AR – apresenta um livro com testemunhos de várias figuras da vida pública, como Edite Estrela, Francisco George, Francisco Louçã, Júlio Machado Vaz, Maria Filomena Mónica ou Fernando Nogueira. A obra, organizada por João Semedo, expõe diferentes pontos de vista, incluindo de médicos favoráveis à despenalização. “Justifica-se em determinadas situações despenalizar a morte assistida na perspetiva de evitar, desnecessariamente, mais sofrimento”, escreve po ex-diretor-geral da Saúde Francisco George. Também o psiquiatra Júlio Machado Vaz defende a despenalização.
Da parte da Ordem, que optou por não realizar nenhum referendo interno sobre esta matéria, já foi tornado público que, caso a opção política venha a ser a despenalização, o código deontológico não será alterado. Atualmente, o artigo 65.º diz que o médico “deve respeitar a dignidade do doente no momento da fim de vida”, sendo-lhe vedada a ajuda ao suicídio, eutanásia e distanásia. “Havendo despenalização criminal, os médicos não terão nesses casos sanções disciplinares”, explica Guimarães.