Ivo Rosa. Governo “bloqueia” ida de juiz para Madrid

Representantes portugueses no EL PAcCTO ainda não viram definidas as suas condições fiscais

Ivo Rosa, juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal – onde, com Carlos Alexandre, acompanha as investigações mais graves conduzidas pelo Ministério Público, como a Operação Marquês e o caso EDP – aguarda desde setembro do ano passado que o Governo dê ‘luz verde’ às condições para a sua saída para Madrid, para integrar um programa de cooperação judiciária internacional contra o crime organizado.

Em causa está o Programa Europa-América Latina, Assistência contra o Crime Transnacional Organizado (designado habitualmente como EL PAcCTO), criado em 2017 pela Comissão Europeia e 18 países da América Latina e Caraíbas. O objetivo do programa é o “fortalecimento do Estado de Direito e a segurança dos cidadãos”, através do “combate ao crime organizado”, da “aplicação judicial e policial efetiva da lei” e da “cooperação internacional” entre os países latino-americanos e também entre estes e o espaço europeu. Pretende-se fazer um levantamento de toda a legislação em vigor nestes países, e respetivas falhas, com especial incidência nos tráficos de droga e de pessoas e no terrorismo, bem como propor alterações legislativas e criar programas específicos de cooperação judiciária com a UE. No terreno, o programa é coordenado e gerido pelo instituto de cooperação de Espanha (o país com maior expressão na América Latina), tendo como parceiros França e Portugal, que tem dois representantes – o magistrado Ivo Rosa e um elemento da Polícia Judiciária, que estão nomeados desde setembro do ano passado. A designação do juiz, que antes fez várias comissões de serviço em Timor-Leste, foi decidida pelo Conselho Superior da Magistratura, após concurso interno para o lugar. 

O programa EL PAcCTO está entretanto já a funcionar há quase um ano, mas sem os representantes do Estado português.

O problema está na dupla tributação dos vencimentos, sendo que em Espanha os descontos chegam aos 50% — o que faria com que o juiz e o agente da PJ recebessem, no final do mês, menos do que auferem agora. Os representantes espanhóis e franceses escapam a este problema, porque estão equiparados a agentes de cooperação. Tanto o juiz Ivo Rosa como o agente da PJ recusam, por isso, ir para Madrid enquanto o Governo não tomar medidas para resolver o problema.

O dossiê do EL PAcCTO, que inicialmente foi coordenado pelo Instituto Camões, está neste momento nas mãos da ministra da Justiça. Questionada pelo i sobre os dois elementos portugueses e sobre a data prevista para a sua colocação em Madrid, Francisca Van Dunem deu resposta vaga: “A questão da colocação dos coordenadores adjuntos de Portugal no programa El PacCTO tem de ser trabalhada com todos os parceiros, é o que se tem vindo a fazer”.

Entretanto, o EL PAcCTO até já foi oficialmente apresentado em Buenos Aires, em meados de abril passado – numa cerimónia em que Portugal até esteve representado por uma comitiva composta pela diretora de Serviços de Cooperação do Instituto Camões, Sandra Magalhães, e representantes da Procuradoria-geral da República, da Direção Geral dos Serviços Prisionais e do Conselho Superior da Magistratura. Ou seja, Portugal é parceiro do programa, mas não tem lá pessoas. E, segundo o i apurou, Itália já fez saber que está interessada em assumir as posições portuguesas.

Esta demora pode ensombrar também o debate instrutório do processo da Operação Marquês, uma vez que já foi estipulado que os arguidos da Operação Marquês poderão requerer a abertura de instrução de inquérito até 3 de setembro – uma fase preliminar ao julgamento onde os arguidos se podem defender das acusações e se decide quem será ou não pronunciado. Segue-se a fase de distribuição do processo que será disputada apenas pelos dois juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal. Ou seja, neste momento, já o Conselho Superior de Magistratura deveria estar a tratar da substituição de Ivo Rosa, aproveitando o movimento anual de magistrados judiciais, que ocorre em junho.