Colégios. Impossível conseguir vaga

A quatro meses do arranque do próximo ano letivo, vários colégios já estão sem vagas e com listas de espera de centenas de alunos. Cenário que acontece em colégios com propinas muito acima do salário médio.

Já é muito tarde. Estamos cheios». Esta é a resposta que uma mãe mais ouve ao telefone quando tenta inscrever um aluno de cinco anos para frequentar o 1.º ano – a partir de setembro – num colégio. A quatro meses do início das aulas parece ser uma missão impossível.  

Entre os testes de aptidão ou de maturidade e as entrevistas como critérios de admissão, todos os anos os pais têm de ter atenção ao calendário. Este não foge à regra.

As listas de espera para conseguir vaga num colégio estão a multiplicar-se e há escolas privadas que, contactadas, chegam mesmo a aconselhar os pais a pré-inscrever as crianças de cinco anos «o mais cedo possível», de forma a ter vaga quatro anos mais tarde, ou seja, para o 5.º ano de escolaridade. E são já vários os colégios que têm pré-inscrições abertas para setembro de 2019. 

Esta não é uma realidade apenas nas grandes cidades, está a espalhar-se por todo o país. E em Lisboa e no Porto as listas de espera intermináveis não existem só nos colégios mais concorridos.

Se há uns anos o peso na carteira com a despesa das escolas privadas podia reduzir a procura, hoje, em colégios onde  a despesa total para as famílias ultrapassa em muito o valor do salário médio em Portugal – que de acordo com o INE ronda os 856 euros –, já não há vagas para o próximo ano letivo.
  
St. Julian’s ‘fechou’ em Janeiro

É o caso do colégio britânico St. Julian’s, em Carcavelos. Para estudar na mesma escola bilingue onde se formou a pintora Paula Rego a propina anual varia entre os 22.560 euros para o 12.º ano e os 11.412 euros para o 1.º ano. Nestes valores está incluído o seguro de acidentes para o aluno e as visitas de estudo. No entanto, com refeições, a fatura ainda sobe entre os 1.100 euros e os 1.427 euros por ano.

Para dar início ao processo de inscrição de um aluno neste colégio britânico os pais pagam mil euros e uma joia de 4.200 euros, que não são reembolsáveis.  

Valores que parecem cada vez menos assustar. O SOL ligou para o St Julian’s, que tem 1.100 alunos, e perguntou quais são as condições para inscrever um aluno no 1.º ano. A resposta foi perentória: «Já fechámos as inscrições para 2018. Tivemos de fechar no mês de janeiro porque tivemos muitas candidaturas e não queríamos criar falsas expectativas. Preenchemos todas as vagas e a escola está no limite». E  para pré-inscrever o aluno para entrar para o 5.º ano? «O mais cedo possível», respondeu a funcionária. 

O mesmo cenário acontece no Liceu Francês, em Lisboa, onde estudam, do pré-escolar ao secundário, 2.050 alunos, incluindo os quatro filhos da Madonna.

Também aqui o SOL tentou inscrever esta semana uma criança no 1.º ano para setembro, tendo ouvido uma resposta idêntica à do St. Julians. «É muito, muito tarde. Já estamos cheios e temos uma longa lista de espera», foi a resposta de um dos mais procurados colégios em Lisboa, sendo preciso esperar 15 minutos ao telefone para conseguir informações.
Para frequentar o Liceu Charles Lepierre os pais têm de pagar mil euros na altura da matrícula, que não é reembolsável em caso de desistência. Os valores das propinas para os alunos portugueses e franceses e outros nacionais da União Europeia são inferiores aos cobrados a estudantes de países não comunitários. Segundo a informação disponível no site, as propinas anuais vão dos 4.110 euros aos 5.060 euros, para os portugueses e franceses. Somam-se ainda 100 euros para o seguro e serviço de saúde escolar e 66 euros para os manuais e materiais escolares. O pacote de almoço para os cinco dias da semana custa 930 euros. O colégio tem ainda um serviço de apoio aos estudos, após as aulas, onde os alunos do 1.º ciclo (do 1.º ao 4.º ano) fazem os trabalhos de casa e têm explicações com um professor. A inscrição no estudo acompanhado para o 1.º ciclo tem o custo de 388 euros anuais, para quatro dias da semana.
A lista de espera para entrar no 1.º ano do Liceu Francês já conta com «340 alunos de nacionalidade francesa» e na hora de atribuir as vagas que vão ficando livres são estes que terão prioridade, de acordo com as informações dadas ao SOL por telefone. O conselho dado pela funcionária do colégio é que as pré-inscrições no Charles Lepierre sejam feitas entre janeiro e fevereiro do ano civil em que o aluno queira entrar no colégio – as aulas começam em setembro.

St. Peter’s ainda tem vagas

Caso queira inscrever o seu filho num colégio bilingue tem mais hipóteses se sair de Lisboa ou Porto. No colégio St. Peter´s, em Palmela, onde estudaram os filhos de José Mourinho, ainda há vagas para o 1.º ano, ao contrário do que acontece para as turmas do 7.º, 9.º e 10.º anos, que «já estão completas». 

A inscrição neste colégio que tem ocupado nos últimos anos os primeiros lugares dos rankings das escolas custa três mil euros e a propina ronda os 590 euros mensais. Mas neste valor não estão incluídos os transportes, as refeições (133 euros mês), o uniforme (350 euros) ou as 35 atividades extracurriculares (média de 45 euros por mês), como esgrima, ténis, rugby, basquetebol, voleibol, futebol, natação, hipismo, violino, judo, piano, karaté, coro, guitarra clássica, canto ou ballet. 

Além de Lisboa e do Porto

Segundo as informações recolhidas pelo SOL junto dos colégios, o cenário de longas listas de espera para entrar num colégio estende-se também aos colégios portugueses e fora de Lisboa e do Porto.

É o caso do colégio D. Diogo de Sousa, em Braga. «Tem cerca de 400 alunos em lista de espera em todos os anos de escolaridade», disse ao SOL o administrador António Araújo. Um cenário que «tem vindo a crescer nos últimos anos», tendo aumentado «a procura de cidadãos brasileiros que se querem instalar na cidade de Braga», acrescenta Araújo, que recusa que os bons resultados conseguidos pelo colégio nos últimos rankings das escolas tenham tido algum reflexo na procura. 

«O aumento da procura sente-se em todo o país», sublinha ao SOL Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). «Fora das grandes cidades temos colégios que estão a fazer um esforço significativo e estão com projetos inovadores e que estão a crescer», remata.
Ainda assim, a maior procura pelos colégios continua a ser em Lisboa e no Porto, «onde há mais pessoas e onde há mais capacidade financeira», justifica. 

No Colégio dos Plátanos, por exemplo, há 140 alunos em lista de espera de vaga (desde o 1.º ao 9.º ano de escolaridade), refere o diretor Rui Curica, que explica que esta escola na zona de Sintra «sempre teve bastante procura, sobretudo para os anos em início de ciclo, como os 1.º e 5.º anos».  

Além da capacidade económica da família, alguns colégios selecionam os alunos com base nas notas, em provas ou em entrevistas aos pais. No caso do St. Julian’s, por exemplo, é aconselhável que o aluno apresente uma carta de recomendação de um antigo professor da criança, de um membro da autarquia ou até de um antigo aluno. Já no St.Peter’s School os alunos realizam uma prova de maturidade (no 1.º ciclo passa por pintar ou cortar figuras com uma tesoura).  

Aumento da procura 

Estes são apenas exemplos que espelham um «novo aumento da procura» pelos mais de mil colégios que estão a funcionar em Portugal após o período de crise que levou muitos pais a transferirem estudantes das escolas privadas para a escola pública por dificuldades económicas, considera  o diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). «Todos os diretores nos relatam que há um aumento da procura», remata Queiroz e Melo.
E os dados mais recentes do Ministério da Educação acompanham esta ideia dos colégios e mostram que houve uma reversão da tendência de redução de alunos nas escolas privadas, que arrancou no período pós-troika. Nos últimos três anos letivos (entre 2013/14 e 2015/16) houve um aumento de quase oito mil alunos nos colégios (7.760), passando dos 331.930 para os 339.690 alunos, traduzindo um crescimento de cerca de 2,5%.