Violência doméstica

Bruno de Carvalho toma posse da presidência do Sporting em março de 2013, e pouco depois, em maio, despede o treinador Jesualdo Ferreira, apesar de este ter feito um trabalho meritório: tomou conta da equipa no final da época, quase em risco de descer de divisão, e acabou o campeonato em 7.º lugar. 

O despedimento suscita dúvidas a muitos sportinguistas – mas a contratação de um treinador em ascensão, Leonardo Jardim, fá-las esquecer. 

Bruno de Carvalho ordena uma auditoria à gestão dos antecessores. A iniciativa provoca um natural sobressalto no clube, pois significa pôr em causa sportinguistas respeitados, mas a maioria compreende que o novo presidente não queira arcar com responsabilidades que pertencem a outros – e aceita a iniciativa. 

Leonardo Jardim acaba a época em 2.º lugar, o que representa uma grande melhoria em relação ao ano anterior, mas o treinador sai. Os sportinguistas estranham, mas percebem que Jardim não poderia resistir a uma proposta do Mónaco. E o novo treinador, Marco Silva, agrada aos adeptos. 

Marco Silva consegue um honroso 3.º lugar e ganha a Taça de Portugal, mas Bruno de Carvalho despede-o com um pretexto infantil. Os sportinguistas não gostam. Mas Bruno de Carvalho, num golpe considerado genial, consegue a contratação de Jorge Jesus, ex-treinador do Benfica. E tudo esquece.

Em outubro de 2015, Bruno de Carvalho revela o ‘caso dos vouchers’, que consiste na oferta de senhas de refeição e camisolas do Benfica a árbitros que vão arbitrar ao estádio da Luz. As acusações não parecem muito graves – mas os sportinguistas aplaudem, porque os ataques ao Benfica são sempre bem-vindos em Alvalade.
Em março de 2017, Bruno de Carvalho é reeleito com 86% dos votos.

Bruno de Carvalho usa abundantemente as redes sociais para atacar os adversários, mas tolera mal as críticas. E em maio anuncia a saída do Facebook, desiludido com a ingratidão dos adeptos: «Depois de uma profunda análise, creio que chegou a hora de abandonar o Facebook. A minha vontade de proximidade com o universo leonino acabou por ter um lado perverso que não pretendo ver aumentado». Muitos sportinguistas respiram de alívio, pois o Facebook estava a tornar-se incómodo mesmo para os apoiantes do presidente.

1 de julho de 2017. Bruno de Carvalho casa com pompa nos Jerónimos. Há convidados que são desconvidados à última hora, por se terem entretanto desavindo com o noivo.

Bruno de Carvalho volta inesperadamente ao Facebook em fins de julho, e regressa a instabilidade ao Sporting. 
Em princípios de fevereiro de 2018, Bruno de Carvalho inicia uma guerra de morte contra o Conselho Leonino, onde se ouvem vozes críticas – a que o presidente chama «sportingados». E em 5 de fevereiro ameaça demitir-se. Mas depois admite ficar se os sócios lhe derem uma maioria de dois terços numa espécie de plebiscito para mudança dos estatutos, que lhe reforça os poderes. 

Em 17 de fevereiro, o ‘plebiscito’ dá a Bruno de Carvalho 87% dos votos. Embalado pelo triunfo, diz aos sportinguistas para não comprarem jornais nem verem televisão. Os jornalistas presentes são ameaçados. Os sportinguistas acham o apelo do presidente irrealista, mas percebem que ele reaja, porque é alvo de muitos ataques da imprensa. 
Nas vésperas do jogo com o Braga, em fins de março, Bruno de Carvalho chama «labrego, trolha e aldrabão» ao presidente daquele clube. Muitos sportinguistas não se identificam com esta linguagem, mas admitem que são as guerras do futebol. 

O Sporting perde 2-0 com o Atlético de Madrid, e no próprio dia, 5 de abril, Bruno de Carvalho faz no Facebook críticas violentas à equipa. Os jogadores respondem em comunicado, mas Bruno chama-lhes «crianças mimadas» e suspende toda a equipa de futebol. Depois recuará na decisão. 

No domingo seguinte, 8 de abril, Bruno de Carvalho é assobiado no estádio de Alvalade. É a primeira vez que os adeptos o condenam publicamente. Gera-se grande confusão. O presidente, queixando-se de dores na coluna, volta a falar da «ingratidão» dos sportinguistas. 

Bruno de Carvalho anuncia saída do Facebook em fins de abril. Os seus defensores voltam a respirar de alívio. 
A 5 de maio, em Alvalade, no início do jogo contra o Benfica, uma das claques atira tochas ao guarda-redes Rui Patrício, considerado um dos cabecilhas da ‘revolta’ contra o presidente, o que é interpretado como um apoio a Bruno de Carvalho. 

No Facebook do pai de Bruno de Carvalho surgem, a 7 de maio, críticas a Jorge Jesus, por causa do empate com o Benfica, perguntando se ele quer um «aumento de ordenado».
A 13 de maio, o Sporting perde no Funchal e falha o acesso à Champions. Os jogadores são insultados por membros da claque no aeroporto da Madeira e depois ameaçados na garagem de Alvalade. Bruno de Carvalho não se manifesta. 

14 de maio. Em reunião em Alvalade, Bruno de Carvalho despede verbalmente o treinador Jorge Jesus e toda a equipa técnica.

15 de maio. Adeptos encapuzados invadem Alcochete e agridem treinador e jogadores. Bruno de Carvalho diz que «foi chato», mas que as pessoas têm de se habituar a estes crimes. 

Tudo isto se passou exatamente como nos casos de violência doméstica.

Nessas situações, o homem dá os primeiros sinais, mas a mulher ignora-os. Acha que são coisas esporádicas. O homem começa a insultá-la mas ela esquece; quer acreditar que tudo se irá recompor. O homem bate-lhe mas a seguir pede desculpa – e ela desculpa-o. O homem volta a bater-lhe uma e outra vez mas depois diz-se arrependido. Ela acredita que o homem poderá emendar-se e que ainda será possível salvar o casamento. E cala-se. Até que um dia o homem a agride a sério – e aí ela percebe que não há remédio. 

Em Alvalade aconteceu o mesmo.

Ao longo de cinco anos, os sinais foram inúmeros, inequívocos, mas os sportinguistas não queriam ver. 
Bruno de Carvalho foi descendo nos atos e na linguagem, e os adeptos iam-se habituando, acreditando sempre que o presidente iria regenerar-se. E foi preciso chegar-se às agressões de Alcochete, onde poderia ter acontecido uma tragédia, para muitos sportinguistas se convencerem de que Bruno de Carvalho é um caso perdido.
Veremos se não foi demasiado tarde.