Dias a fio, os mais altos representantes da Nação sentiram-se ‘obrigados’ a falar sobre o assunto, enquanto as televisões dedicavam horas de ‘tempo de antena’ ao ‘amor’ clubista de diferentes atores, com um fervor a beirar o patológico.
Desfilaram pelos estúdios políticos de quase todos os credos, advogados e médicos com nome na praça, além de intelectuais e académicos que nunca falham nestas coisas, e do habitual corpo de comentadores residentes – que alimentam e atiçam rivalidades nas intermináveis emissões onde o futebol domina, como poderoso anestésico social.
Entre a palavra ponderada e a histeria houve de tudo, como se estivesse em causa algum problema grave para a Pátria.
A chamada imprensa de referência apressou-se a competir com a desportiva, em largueza de títulos e de espaço. O controverso presidente leonino conquistou o estatuto de figura de capa em diários e semanários, com um relevo que nunca tivera antes.
A final da Taça, um clássico do Jamor, foi antecedida de um ‘suspense’ digno de Hitchcock, onde as principais figuras do Estado se interrogavam sobre se deviam ou não comparecer no Estádio Nacional. Convenhamos que se exagerou.
Senão, vejamos: António Costa tirou logo da cartola uma Autoridade Nacional contra a Violência no Desporto, porque «o futebol é algo suficientemente importante para todos para adotarmos as medidas necessárias para o proteger de quem o quer destruir». Bonito.
O pior é que, quando era ministro em 2007, extinguiu o Conselho Nacional contra a Violência no Desporto, cuja missão se assemelhava à do novo órgão anunciado, ou seja, «promover e coordenar a adoção de medidas de combate às manifestações de violência associadas ao desporto, bem como avaliar a sua execução». E nunca mais se lembrou disso.
Perguntar-se-á para que servirá, então, mais uma Autoridade Nacional dotada de «recursos e não apenas de competências», enquanto falha a coragem política para interditar as claques, que são ninhos de violência, e para fazer reverter para os clubes os custos reais dos dispositivos de segurança montados nos perímetros dos estádios nos dias dos jogos.
Tenciona o primeiro-ministro em exercício criar mais um corpo de polícia ‘especializado’ na segurança do futebol? Ou deseja simplesmente lançar outra estrutura para dar emprego a uns quantos boys insaciáveis, como já aconteceu nos quadros da Proteção Civil, com os resultados que se conhecem?
A ‘ajudar à festa’, Ferro Rodrigues entendeu que poderia «falar na qualidade de presidente da Assembleia da República» sobre os incidentes de Alcochete, exigindo às autoridades que «investiguem quem faz do Sporting a miséria a que hoje assistimos». Esqueceu-se, porém, do distanciamento e da reserva a que está obrigado enquanto presidir à Assembleia da República, para o que não conta ser sócio antigo do clube em causa.
Finalmente, Marcelo Rebelo de Sousa sentiu-se «vexado pela imagem projetada por Portugal no mundo», e pela «gravidade do que aconteceu». Foi excessivo.
Embalado pelas suas paixões desportivas – em particular, com o futebol e o ténis – o Presidente atribuiu aos atos de vandalismo no centro de estágios uma dimensão desproporcionada.
Permitiu, depois, que se especulasse sobre se estaria ou não no Estádio Nacional para entregar a taça ao vencedor, o que acabou por acontecer, como é de tradição. Ora o Presidente da República não tem que alimentar rumores. Decide e anuncia a sua decisão.
Com tantos passos em falso, o país adormeceu e acordou dias seguidos sob o efeito de um dilúvio de suspeitas, de contradições e de bravatas, que fecharam a época de futebol com um travo amargo de derrota para aqueles que ainda acreditam no desporto como escola de virtudes.
Em contrapartida, graças à crise do Sporting, eclipsaram-se do espaço público aqueles temas verdadeiramente incómodos para o poder político, envolvendo suspeitas de corrupção lesivas da imagem de Portugal no exterior, com um ex-primeiro-ministro e ex-governantes socialistas a contas com a Justiça.
Moral da história: a ‘roupa suja’ ficou por conta da ‘lavandaria’ de Alvalade. O futebol tornou-se soberano na República. Com os populismos das ‘tribos’ a vicejar…
O pecado mora ao lado de Arons de Carvalho
O mandatário nacional de António Costa ao Congresso socialista escreveu mais uma carta a este jornal, na qual confirmou que vive numa estranha ‘bolha’ amnésica. Incapaz de recuperar a memória, perdeu-se no seu próprio labirinto. E deturpou a realidade.
Se lhe restasse um módico de bom senso, evitaria reescrever uma história de que foi agente e cúmplice, negando o que sabe não poder negar.
Pelo contrário, insiste em branquear responsabilidades, usando o mesmo ‘detergente’ de que se serviu para proteger a «vida de fausto [de Sócrates] acima da ética socialista» – para citar o histórico António Arnaut, recentemente falecido –, não vendo que «seja reprovável uma pessoa viver com dinheiro emprestado de outra». Uma luminosa conceção que fala por si.
Alberto Arons de Carvalho é o espelho de um certo PS, cujos valores se confundem com um brinco de pechisbeque dependurado na orelha. Não se emenda nem aprende nada. Ao contrário de outros ‘socráticos’, não foi recuperado por António Costa para o acompanhar no Governo. Mas foi agora recompensado como seu mandatário. Um prémio de consolação. Merecido…