A normalidade em política

Um dos ativos políticos de maior importância e menor atenção é a normalidade.

Um dos ativos políticos de maior importância e menor atenção é a normalidade.

Quando se vende Emmanuel Macron como um tipo brilhante e fresco – que talvez seja –, esquece-se que concorria contra um proto-comunista (Mélenchon), um proto-corrupto (Fillon) e uma proto-fascista (Le Pen). As suas ideias liberais, europeias e até federalistas não têm, todavia, grande novidade. O demo-liberalismo comunitário é o mesmo há quarenta anos. Aquilo que é novo em Macron não é aquilo que ele diz, mas a maneira como o defende. Concorrendo contra os tais proto-qualquer-coisa-desagradável, o presidente da França lucrou eleitoralmente com o facto de ser a coisa-menos-desagradável entre as possíveis. Detinha o monopólio da normalidade. Ganhou por isso.

Em Portugal, também é possível detetar a importância deste ativo político nas mais recentes transições de poder.
Nas últimas legislativas, o Partido Socialista foi amplamente prejudicado pela desconfiança com que o eleitorado ainda o olhava. Era o partido de José Sócrates, da corrupção e da bancarrota, o que fez com que o ativo da normalidade estivesse ironicamente com um Governo tão impopular quanto o de Pedro Passos Coelho.
Nas próximas eleições, já não será assim.

O colo mediático de Marcelo Rebelo de Sousa concedeu uma reabilitação moral ao PS que a responsabilidade financeira de Centeno e a saída recente de Sócrates só vieram alargar. O PS recuperou o seu ativo da normalidade, ou seja, a possibilidade de ganhar eleições.

Desde o seu início que a estratégia de comunicação deste Governo visava esse objetivo: romper a dialética entre esquerda gastadora e direita realista para uma outra bipolaridade entre direita ideológica e esquerda responsável. O sucesso desse objetivo proporciona a inversão eleitoral entre PS e PSD que as sondagens já comprovam. O ativo da normalidade mudou de cara e é com ele que o poder muda de mãos.

Quando se critica Passos Coelho por ter preferido negociar acordos de interesse nacional, como a descentralização ou os fundos comunitários, à porta fechada, isso explica-se. Se Passos, vencedor de eleições, sorrisse para a fotografia com quem o alçara do poder, estaria a legitimar o ato que o deslegitimara a si. Estaria a oferecer de mão-beijada o tal ativo de normalidade a António Costa. Quando se recorda o sucesso de Assunção Cristas em Lisboa, no meio do trânsito matinal, a levar os filhos à escola e a limpar a rua, tem necessariamente de reconhecer-se que a aparência de normalidade também beneficiou a presidente do CDS. Quando se examina a popularidade do próprio Marcelo, os beijos às velhinhas e a omnipresença regional, surge novamente a ideia (aqui tão cómica) de que «ele é como nós», normal.

Numa democracia representativa como a nossa, os cidadãos vivem nesse doce paradoxo: devem ser governados por alguém com as capacidades que eles não têm ao mesmo tempo que querem votar em alguém com quem se identificam. Um líder de partido que não entende isso é um líder de partido que não ganha eleições.