Bancos. Setor dá sinais de alívio depois de ter sido alvo de fortes ajudas

Operações de capitalização dos bancos pesaram 23,7 mil milhões na dívida em 10 anos. Agora a preocupação deve-se, em grande parte, ao facto de a maioria das instituições financeiras estar em mãos estrangeiras, principalmente espanholas

O sistema financeiro parece agora suspirar de alívio, mas a fatura que os portugueses pagaram para salvar a banca foi elevada. Nos últimos dez anos as operações de capitalização dos bancos pesaram 23,7 mil milhões de euros. “Para termos a noção deste número, foram 23 pontes Vasco da Gama”, refere ao i Pedro Amorim, analista da XTB. Um número que leva o economista a admitir que a banca “já não é viável” e lembra: “Quando os bancos têm lucros distribuem dividendos, quando têm prejuízos é o Estado que resolve”, refere ao Pedro Amorim.

O responsável recorda ainda que foi necessária a criação de uma união bancária para evitar que a situação se repita. “Não se pode repetir este número para um país onde a austeridade teve um valor global de 15 mil milhões, onde o salário médio são 1000 euros, e temos um PIB de 190 mil milhões”, salienta.

No entanto, o montante não vai ficar por aqui, uma vez que o Novo Banco precisou de mais capital depois de ter apresentado, em março, prejuízos recorde de 1395,4 milhões de euros referentes a 2017, num ano em que constituiu mais de dois mil milhões de euros de imparidades (provisões para perdas potenciais).

Já em maio, o Estado foi chamado a injetar 430 milhões de euros na instituição financeira liderada por António Ramalho no âmbito do mecanismo de capitalização contingente – ao todo o Fundo de Resolução injetou 791,7 milhões de euros. Mas ainda não se sabe se o valor que o Estado terá de avançar irá ficar por aqui.

“O mecanismo de capital contingente, nos termos do acordo de venda do Novo Banco, dura ao longo de oito anos e tem limites máximos. Este ano, o Novo Banco, no contexto daquilo que é a avaliação feita também com o supervisor e com os auditores, registou um volume de imparidades muito significativo nos ativos que estão ao abrigo do mecanismo de capital contingente. No próximo ano, voltar-se-á a avaliar esses ativos. Dada a avaliação que foi feita este ano, não esperaria que houvesse impactos significativos por essa via”, já veio revelar o secretário de Estado das Finanças.

Maior peso Mas foi em 2017 que se assistiu a uma das maiores sobrecargas de ajudas ao setor. Aliás, no ano passado existiu a segunda maior ajuda de sempre com a operação de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD). A necessidade de financiamento “extraordinária” do banco público fixou-se nos 5709,4 milhões de euros, o que conduziu a uma subida do défice de 0,92% para 3%.

Este montante tinha sido apenas superado quando se deu a falência do Banco Espírito Santo (BES) em 2014, considerado, até aí, o pior ano no que diz respeito às ajudas dos contribuintes para o sistema financeiro. Nessa altura, as ajudas superaram 5,1 mil milhões de euros e o défice orçamental do ano disparou para 7,2% do PIB.

O terceiro ano em que os portugueses foram chamados para pagar mais à banca foi em 2010, quando o Estado decidiu intervir no Banco Português de Negócios (BPN) com 1,8 mil milhões de euros.

Estas necessidades constantes nos últimos de injeção de capital já levaram o comentador Marques Mendes a admitir que “há um verdadeiro complô de silêncio e de tentativa de encobrir todas estas situações”, acrescentando ainda que este “complô mete políticos e não políticos, mete gestores e não gestores, empresários e não empresários, da direita à esquerda, do governo à oposição”, afirmou recentemente no seu espaço de comentário televisivo, na SIC.

E apesar do sistema financeiro já ter visto piores dias, o analista da XTB admite que ainda não viu a luz ao fundo do túnel. “O crédito mal parado da banca faz anular os resultados positivos (excesso de imparidades). A subida de taxas de juro podem significar aumento de resultados, mas na Europa só daqui a 3 ou 4 anos é que se vai ver isso refletido”, diz ao i.

Pedro Amorim afirma ainda que o aumento de taxas de juro poderá não significar melhores resultados. No seu entender, se este não for acompanhado pelo crescimento da economia (empresas) e crescimento das condições salariais das famílias (particulares) vamos ver o número crédito mal parado aumentar. “Vamos dar um exemplo para ser mais fácil entender o que quero dizer. Num crédito habitação, hoje sem taxa variável, um aumento de 1 ponto percentual significa um aumento de 47,98 euros num empréstimo de 100 mil euros a 30 anos. Significa quase 600 euros por ano. Será que as famílias estarão preparadas para este aumento?”, questiona.

A verdade é que o aumento da concessão do crédito à habitação que voltou a bater recordes e atingir máximos de 2010 fez soar alarmes junto do Banco de Portugal (BdP). A pensar nisso, a entidade liderada por Carlos Costa já veio recomendar aos bancos a aplicação de limites nos critérios de concessão destes financiamentos. No entanto, para já, trata-se apenas de recomendações. Mas, se não forem respeitadas, o governador admite que possam ser obrigatórios.

Movimentos de consolidação A verdade é que após as ajudas ao sistema financeiro, o setor caminhou a passos largos para movimentos de consolidação financeira. Mas também aí surgem vozes críticas que apontam para o risco dos bancos que operam no mercado nacional estarem, na sua maioria, detidos por mãos espanholas. Um cenário que tem ganho maior revelo com as recentes aquisições do Banif, do BPI e do Barclays que pesam mais 40% do sistema financeiro.

“Temos o Santander, com a fusão com o Popular, a concorrer à liderança de mercado com o BCP, que por sua vez se encontra em mãos chinesas. A aquisição do BPI por parte do La Caixa, o ex-BES para o Lone Star, a saída do Barclays para entrar o Bankinter e a saída do Deutsche Bank vieram reforçar a banca espanhola em Portugal”, refere Pedro Amorim.

E a predominância espanhola poderá não ficar por aqui se o Novo Banco for parar a Espanha. Ao i, o economista Avelino de Jesus, autor de dois livros sobre a resolução do BES, garante que a instituição financeira sairá no futuro das mãos da Lone Star para um banco espanhol, em que o Santander Totta é apontado como o candidato preferencial.

Se este banco acabar, um dia, também por cair nessa propriedade, mais de 50% da banca nacional passará a ser controlada por Espanha. Isto significará que o financiamento de toda a economia portuguesa, incluindo o setor público e privado, ficará dependente de centros de decisão de um único país estrangeiro.

Algo que não assusta propriamente os banqueiros nacionais, mas que já mereceu reparos de Marcelo Rebelo de Sousa no passado em relação à forte presença espanhola na banca deste lado da fronteira. “É importante haver uma participação significativa, o que é diferente de haver um exclusivo. É uma posição de fundo. Nenhuma economia deve ter uma posição exclusiva noutra economia”, chegou a alertar o Presidente da República.

Aliás, estes riscos de concentração do sistema financeiro por parte do país vizinho mereceram uma chamada de atenção de várias personalidades portuguesas. Em 2016 surgiu um manifesto contra o domínio espanhol da banca portuguesa organizado por um grupo de 50 personalidades, entre empresários, banqueiros e economistas, liderado por Alexandre Patrício Gouveia.