Não fosse a seriedade do assunto e teríamos a melhor telenovela de sempre: Sporting, um clube à beira de um ataque de nervos. Confesso que me diverti imenso com as peripécias da continuação de Bruno de Carvalho, já que na telenovela aparece um médico que, notoriamente, sofre de burnout; um jornalista que o único desporto que praticou foi de avental e que descobriu o futebol aos 60 anos para agora ser fiscalizador; um ex-político que tenta intelectualizar o desporto, com algum caviar à mistura, calculo; um bombeiro que adora deitar gasolina quando o seu papel deixa muito a desejar neste processo todo; e um presidente que se deve sentir Dom Quixote a lutar contra moinhos de vento.
O percurso de Bruno de Carvalho é muito parecido com o de Vale e Azevedo, o presidente benfiquista que era idolatrado por muitos sócios até cair em desgraça e ser derrotado por Manuel Vilarinho – só um presidente muito vulnerável poderia perder tais eleições… Bruno, que há três meses foi ‘reconduzido’ com mais de 90% de apoio dos sócios, está agora a ficar totalmente isolado, já que a sua guarda avançada ou está presa ou com medo de aparecer.
Assim sendo, uma manifestação a exigir a sua demissão, com as tais personagens pitorescas, conseguiu reunir quase 500 adeptos, enquanto a suposta contramanifestação reuniu meia dúzia de gatos pingados. Bruno sabe perfeitamente que, se se sujeitar a novas eleições, poderá ter o mesmo destino de Vale e Azevedo e ser derrotado por uma figura de segunda linha. No atual estado de desgraça, Bruno de Carvalho não quer arriscar ir a eleições com medo de perder o poder. Se a sua guarda pretoriana não estivesse com os problemas que está, tudo seria diferente.
Na novela sportinguista até surge um homem ligado à extrema-direita e que cumpriu pena de prisão por vários crimes, sendo inclusivamente acusado de ter estado envolvido nas agressões que levaram à morte de Alcindo Monteiro, um jovem cabo-verdiano que foi morto só por não ser branco. Machado quer candidatar-se à liderança de uma das claques do Sporting, e talvez este seu gesto obrigue, finalmente, o Governo a pôr cobro ao forrobodó que se vive nos grupos de adeptos que espalham o terror por onde passam quando as suas equipas vão jogar fora. Já para não falar das agressões que cometem sobre os adeptos das outras equipas.
Certo é que o Sporting atravessa um período que o poderá levar a viver uma das suas piores épocas de sempre: sem treinador, a 20 dias do recomeço da época, sem saber com que jogadores poderá contar, com uma liderança sem rei nem roque, o clube aproxima-se do abismo. Os sócios têm a palavra, mas pelos vistos a obsessão de Bruno de Carvalho poderá dificultar ainda mais a vida do emblema de Alvalade.
Por fim, é penoso ver aqueles que sempre apoiaram Bruno de Carvalho, mesmo quando este dizia as maiores alarvidades, a fugirem dele como o diabo foge da cruz. Faz pena ver Eduardo Barroso à beira de um ataque de nervos na televisão a tentar explicar o inexplicável. Quando as pessoas se têm em tão grande conta, julgando-se o centro do universo, é natural que o seu ego as faça descarrilar. Bruno de Carvalho, verdadeiramente, só está a ser tão atacado pelos acontecimentos de Alcochete. Antes disso, todos estiveram com ele e só agora é que começaram a chutar na mesma direção. O ainda presidente sportinguista deve estar a pensar o céu lhe caiu em cima da cabeça e não tem nem o Astérix nem o Obélix para o defender.
vitor.rainho@sol.pt