Vale a pena pedir a maioria absoluta?

Só quem pediu maioria absoluta é que a obteve. A ameaça da instabilidade esteve presente nos discursos de Cavaco e Sócrates. Mas também houve quem a pedisse em vão. No PS atual, as opiniões dividem-se.

O PS não tenciona pedir a maioria absoluta nas próximas eleições. António Costa, na moção que levou ao congresso do partido, defende apenas como objetivo «reforçar a influência política e social do partido». O líder socialista acha que pedir ou não a maioria absoluta aos eleitores tem pouca influência. «Há coisas que não se pedem. Ou se merecem ou não», disse, numa entrevista ao Diário de Notícias. Será assim? 

Não é possível saber até que ponto pedir a maioria absoluta tem ou não influência no resultado final, mas, até hoje, só a conseguiu quem dramatizou à volta dos riscos de governar sem ela. Não é menos verdade que também houve quem a pedisse e não convencesse os portugueses.

Em mais de 40 anos de democracia só houve três maiorias absolutas de um só partido. Duas foram conseguidas por Cavaco Silva e a outra por José Sócrates. É preciso recuar a 1987 para perceber como Cavaco – o primeiro-ministro que mais tempo esteve no poder – obteve um resultado que o sistema eleitoral português não favorece. O PSD de Cavaco Silva chegou ao poder em 1985, mas caiu menos de dois anos depois com a aprovação de uma moção de censura apresentada pelo PRD. O governo durou 17 meses e Cavaco foi para a campanha eleitoral com o objetivo claro de conseguir a maioria absoluta.

Nos últimos dias da campanha, o então presidente do PSD chegou mesmo a declarar que não continuaria como primeiro-ministro se, após as eleições, o governo não dispusesse de um apoio claro no Parlamento. «Era, no fundo, o pedido de uma maioria absoluta sem, contudo, utilizar essa expressão», escreveu na sua Autobiografia Política o ex-presidente da República.

A experiência até aí não abonava a favor dos governos minoritários ou de coligação. Entre julho de 1976, quando tomou posse o primeiro governo constitucional liderado por Mário Soares, e agosto de 1987, quando caiu o primeiro executivo de Cavaco Silva, existiram dez governos. Claro que nenhum deles cumpriu a legislatura até ao fim, apesar de terem sido ensaiadas várias fórmulas para governar o país. Desde executivos minoritários até às mais variadas coligações. Os socialistas com o CDS, o PSD com os centristas e, por último, o famoso Bloco Central entre o PS e o PSD. «A experiência de governo minoritário tinha acabado por se tornar penosa e também não me agradava nada presidir a um Governo de coligação», afirma Cavaco.

O PSD venceu as eleições com 50,2% dos votos. Os socialistas, liderados por Vítor Constâncio, ficaram-se pelos 22,3%. A grande queda nessa eleição foi do partido que apresentou a moção de censura que derrubou Cavaco. O PRD não chegou aos 5% depois do resultado espetacular conseguido dois anos antes, com quase 18% e 45 deputados. O CDS também caiu para os 4,4% e ficou com apenas quatro deputados e a alcunha de ‘partido do táxi’. Pacheco Pereira considerou, nessa altura, em declarações ao Diário de Lisboa, que o resultado eleitoral era a «vitória da vontade política qualificada contra os meros arranjos do sistema político». Nunca mais o PSD conseguiu repetir a proeza.

Foram preciso quase 20 anos para um partido voltar a atingir esse resultado. José Sócrates, em 2005, não podia ter sido mais claro na campanha eleitoral e pediu aos eleitores uma maioria absoluta. Não faltaram os avisos de que sem ela o país arriscava mergulhar em mais um período de instabilidade. «Para haver estabilidade, acho que é a ocasião de pedirmos aos portugueses aquilo que já deram duas vezes ao PSD e nunca deram a oportunidade ao PS de fazer», afirmou Jorge Coelho, num encontro com autarcas em Beja. 

Os alertas para o risco de instabilidade não eram inocentes. Os últimos anos tinham sido de turbulência, com a saída de Durão Barroso para Bruxelas e a queda do governo de Santana de Lopes por decisão do Presidente Jorge Sampaio. Era o que o PS precisava para sonhar com um resultado que nunca tinha conseguido alcançar. Na festa da vitória, Sócrates realçou que «caiu um velho mito de que só a direita poderia governar com maioria absoluta». 

A história seria diferente quatro anos depois. Numa entrevista à SIC, o então primeiro-ministro argumentou que «é importante os portugueses perceberem, nas atuais circunstâncias, a importância que tem a estabilidade governativa. É nesse cenário que estou a pedir a maioria absoluta».

O apelo, desta vez, não teve efeito, mas o então líder do PS tinha razão quando associava um governo minoritário à instabilidade política. Dois anos depois, o governo caía no Parlamento com o chumbo do PEC IV. Só em 2011, a seguir ao pedido de ajuda externa, o PS de Sócrates desistiu de pedir uma maioria parlamentar e abriu a porta a um clima «propenso ao compromisso». A derrota foi pesada e seguiu-se o primeiro governo de coligação à direita a conseguir cumprir uma legislatura até ao fim.

A maioria ‘quase absoluta’ de António Guterres 

Ao contrário de Sócrates, António Guterres nunca pediu a maioria absoluta. Nem nunca a teve. A decisão sobre se o PS devia ou não pedi-la, nas eleições que deram origem ao segundo governo do agora secretário-geral das Nações Unidas, foi bastante discutida no PS. Muitos socialistas reclamavam menos ambiguidade e mais ambição. António Vitorino defendeu, no congresso que antecedeu as eleições em 1999, que os socialistas deviam pedir uma maioria absoluta. Guterres ficou-se pelo pedido de uma «maioria absolutamente inequívoca». Jorge Coelho esteve ao lado dos que defendiam que uma maioria absoluta não se pede, mas uns anos depois, na biografia de António Guterres da autoria do jornalista Adelino Cunha, admitiu que foi um erro. «Governar sem maioria revelou-se extremamente complexo. Foi meio caminho andado para a degradação das condições políticas».

Costa deve ou não pedir a maioria absoluta?

A ambiguidade do PS na campanha foi acompanhada pelo resultado nessas eleições. Uma «maioria quase absoluta», disse Guterres, na noite eleitoral. Os socialistas conseguiram 115 deputados, ou seja, metade dos lugares na Assembleia da República. O homem do diálogo não resistiu ao desgaste e menos de dois anos depois estava a demitir-se para evitar o «pântano político». Fê-lo após uma estrondosa derrota nas autárquicas. 

A situação hoje é diferente. Costa fez um acordo com a esquerda e pedir a maioria absoluta seria praticamente assumir que a geringonça deve ficar por aqui. A discussão sobre a estratégia eleitoral já começou. Ascenso Simões, dirigente e deputado, defende que «o PS deve pedir a maioria absoluta explicitamente», porque «sempre que a não pediu expressamente, como aconteceu com António Guterres naquele terrível empate de 1999, o partido saiu de gatas».

Não tem sido essa a tese de António Costa, mas ainda falta mais de um ano para as eleições. João Torres, secretário nacional adjunto, considera que «o facto de se pedir ou não maioria absoluta não tem uma interferência muito grande junto do eleitorado». O também deputado socialista defende que ainda é cedo para avaliar a estratégia eleitoral. «O que me parece normal é que o PS possa trabalhar, em 2019, para ter o maior número de votos possível». Já Tiago Barbosa Ribeiro, dirigente e deputado, defende que «todos os partidos fazem campanha orientados para a maximização da sua votação e cada partido terá a votação que os eleitores considerarem justa». 

Para este socialista, é preciso evitar «ansiedades excessivas quanto a aritméticas eleitorais». Costa tem evitado o discurso da maioria absoluta, mas, em 2015, nas eleições que disputou com Passos Coelho, não teve dúvidas em pedir, na campanha eleitoral uma maioria «clara, inequívoca, absoluta». Ficou muito longe dela, com apenas 32% dos votos.