Os professores estão «unidos» e «aguerridos» para a greve às avaliações que arranca na próxima segunda-feira, por causa do descongelamento da carreira, dizem os diretores ouvidos pelo SOL, que salientam que «há muitos anos» que não viam os docentes «tão revoltados e descontentes».
É este retrato que, deixando adivinhar uma forte adesão à greve – convocada pela plataforma de dez sindicatos, incluindo a Fenprof e a FNE -, está a preocupar muito o Governo, surpreendido com a adesão à primeira greve às avaliações (que terminou ontem). Estas greves põem em risco este ano letivo e o arranque do próximo.
Ontem, depois do debate no Parlamento, o secretário de Estado da Educação, João Costa, rumou ao norte do país para uma reunião à última hora e informal com diretores de escolas, para medir o pulso e pedir ajuda para acalmar os ânimos no terreno, sabe o SOL.
Nessa reunião, o governante prometeu enviar urgentemente às escolas, no início da próxima semana, uma nova nota onde serão clarificadas e corrigidas as orientações que foram remetidas às escolas esta semana pela Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), apurou o SOL. Decisão que foi tomada depois de vários diretores terem assumido que não iriam acatar as ordens da tutela que lhes chegaram esta semana.
Ainda assim, as novas orientações não deverão travar a «forte adesão» ao protesto que é esperada pelos sindicatos. Sinal dessa tendência foi a adesão à greve convocada pelo recente Sindicato de Todos os Professores (STOP) que ontem terminou. Desde 5 de junho este protesto paralisou centenas de reuniões de avaliação em quase metade (348) do total de 811 agrupamentos de escolas em funcionamento.
Professores organizados em escalas para a greve
A união dos professores em torno do protesto chega à forma como se estão a organizar. «Em quase todas as escolas do país» os professores estão a organizar-se em escalas para definir e distribuir entre diferentes turmas os docentes que fazem greve rotativamente, dizem ao SOL vários diretores. E para que o professor em greve não perca o valor total do dia de salário, os restantes docentes estão a recolher verbas entre si para entregar ao professor que fica em protesto, apurou o SOL junto de docentes de várias escolas de diferentes regiões do país.
Esta estratégia já tinha sido seguida pelos docentes na última greve às avaliações, em 2013, lembra ao SOL Filinto Lima, presidente Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
Mas, agora há mais professores a aderir a este plano. «Raramente vi os professores tão unidos e tão aguerridos à volta de um problema como estão agora», avisa Manuel Pereira, presidente presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
Também Filinto Lima avisa que os professores «estão mais revoltados que nunca».
Diretores recusam orientações ‘ilegais’ do Ministério
O sentimento de descontentamento e revolta aumentou depois de ter chegado às escolas um conjunto de orientações do Ministério da Educação, através da DGEstE, que são vistas como «ilegais» pelos professores e sindicatos que entregaram esta semana várias queixas contra a tutela no Ministério Público, na Provedoria de Justiça e na Inspeção Geral da Educação.
O Ministério da Educação tentou impor um travão ao número de vezes que uma reunião do Conselho de Turma – onde são aprovadas as notas dos alunos – pode ser adiada e impondo que a remarcação das reuniões tivessem um prazo de 24 horas. A tutela queria ainda que ao fim de dois adiamentos da reunião de Conselhos de Turma, os diretores de turma ou o professor que o substituísse (que podia ser o docente com mais tempo de serviço) recolhesse antecipadamente as notas de cada aluno para que fossem lançadas em pauta sem que, em última instância, as notas fossem aprovadas em reunião.
De acordo com as regras em vigor, basta que um professor falte para que o Conselho de Turma tenha de ser adiado e, de acordo com a lei, as orientações enviadas pela tutela na semana passada só serão aplicadas em casos de falta prolongada. Os sindicatos dizem que a greve não é considerada como falta e classificam as orientações como «ilegais».
Também os diretores – que ficaram em «choque» com as orientações da tutela – avisam em uníssono que não vão acatar as orientações da tutela e que não vão aprovar nenhuma pauta com notas que não tenham sido aprovadas em Conselho de Turma, alertando ainda que as indicações só provocaram «mais confusão e dúvidas».
Todo este cenário dá aos sindicatos «sinais de uma muito forte mobilização» dos professores, que resulta de uma «grande organização das escolas para aderir ao protesto», diz ao SOL o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE), João Dias da Silva, que acredita que a adesão à greve «será muito grande» com um número «esmagador» de reuniões de Conselhos de Turma bloqueadas.
O braço de ferro
A razão do braço de ferro entre os professores e o Governo é a contabilização do tempo de serviço que esteve congelado para efeitos de progressão na carreira com o respetivo acerto salarial. Os professores viram congelados nove anos, quatro meses e dois dias do seu trabalho – entre 31 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 e desde 1 de janeiro de 2011 até 31 de dezembro de 2017. E é este o período que os sindicatos exigem que seja tido em conta.
No lado oposto, o Governo recusa-se a considerar a totalidade dos anos congelados, apesar de ter assinado a 18 de novembro de 2017 uma declaração de compromisso com os sindicatos na qual se dispunha a considerar todo esse período de trabalho dos docentes. Nessa altura, em cima da mesa estava o cenário que previa que o Governo reconhecesse os nove anos, quatro meses e dois dias de forma faseada durante os próximos anos, até 2023 ou até 2025.
Mas, em março, depois de terem feito vários cálculos, os Ministérios da Educação e das Finanças vieram apresentar uma proposta para contabilizar apenas 30% desse período: dois anos, nove meses e 18 dias. O argumento do primeiro-ministro, que apresentou uma fatura da medida com o alegado custo de 600 milhões de euros para o Estado, é a falta de verbas.
Os sindicatos rejeitaram a última proposta, considerando-a uma «afronta» e classificando o comportamento do Ministério da Educação como uma «chantagem». Isto porque, de acordo com todos os sindicatos, o ministro da Educação disse que ou aceitariam o reconhecimento de apenas dois anos, nove meses e 18 dias ou não seria considerado qualquer período do tempo que esteve congelado. Foi desta forma que as negociações encerraram, com uma chuva de greves e protestos agendados pelos professores.
Além disso, os partidos de esquerda que sustentam a solução de Governo do PS (PCP e Bloco de Esquerda) também já fizeram saber que não vão deixar esquecer o assunto deixando sozinho o Ministério da Educação contra os docentes.
Com as posições extremadas, o braço de ferro entre os professores e o Governo chegou ao limite e os diretores prevêem que esta será uma guerra para durar, sem fim à vista. «Duvido que os professores venham a calar-se facilmente em relação à não contagem do tempo de serviço. Isto é um problema que vai durar muito tempo. É preciso que haja bom senso por parte do Ministério e do Governo para encontrar uma solução, para que o tempo seja contado», avisa Manuel Pereira da ANDE.
Ontem, chegou ao Ministério da Educação um novo pré-aviso de greve da plataforma dos dez sindicatos, incluindo a FNE e a Fenprof, para estender até dia 13 de julho o protesto às avaliações e para incluir a paralisação às reuniões de preparação do próximo ano letivo (reuniões de distribuição de serviço e horários aos professores e reuniões de matrículas). No horizonte dos sindicatos estão ainda greves para o primeiro dia de aulas do próximo ano letivo e para quatro dias na semana de 5 de outubro, quando se assinala o Dia Mundial do Professor.