Cojones!

Ninguém imagina que coisa semelhante ocorresse com Fernando Santos. Mas se acontecesse, as ‘conveniências’ falariam mais alto

Já aqui escrevi a louvar a frontalidade espanhola, por oposição aos nossos paninhos quentes. Nós temos o ‘atento, venerador e obrigado’, que o Dr. Salazar nos deixou de herança; mas aqui ao lado, a história, a cultura e a têmpera do povo moldaram um singular modo de ser, em que alguns vêem altivez onde deveriam reconhecer o caráter e a fibra.
A firmeza castelhana, frequente na política e nos negócios, revelou-se agora também no futebol. O treinador foi desleal… e foi despedido na hora. Não houve segredos, nem especulações, nem banho-maria: em menos de um fósforo, ficou tudo em pratos limpos. Uma opção difícil de tomar? Imagina-se quanto! Uma decisão que põe em causa o desempenho de uma seleção que todos viam como séria candidata ao título? Sem dúvida! Mas a Real Federação cortou a direito e assumiu os riscos do que vier a seguir.

É evidente que as coisas não terão sido assim tão simples. 

Terá havido ‘cautelosos’ – a praga está em todo o lado – a defenderem uma reação mitigada, em nome do ‘interesse nacional’. Terão recomendado o silêncio e as declarações da praxe: «Estamos concentrados no objetivo de ganhar a taça». E depois, findo o campeonato, tudo se poderia compor… 

Se a Espanha ganhasse o Mundial, o triunfo seria celebrado, o senhor Lopetegui iria para o Real Madrid e haveria um sucessor na seleção. Se o desempenho fosse medíocre, o ‘treinador-traidor’ arcaria com todas as culpas, e os jogadores e a organização teriam o álibi perfeito para justificar erros próprios. E o resultado final seria o mesmo: Julen Lopetegui a treinar o Real e novo treinador na seleção. Entre o povo-adepto, a opção da Real Federação está longe de ser pacífica, sobretudo para os que antecipavam Sergio Ramos a levantar a taça, já os jornais taparam as brechas: Mão de ferro, titulou um, glosando o nome do novo treinador (Hierro).  

Ninguém imagina possível que coisa semelhante ocorresse com um homem às direitas, como é o nosso Fernando Santos. Todavia, se coisa parecida acontecesse numa comitiva portuguesa, as ‘conveniências’ falariam mais alto e empurrariam para a receita de Saltillo: juras e pactos de segredo, logo quebrados em murmurações com os fiéis, e o diz-que-diz que fez a vergonha nacional. 

Nos equilíbrios políticos de 2018, o caso seria abafado – «Estamos todos concentrados no objetivo» – e só mais tarde revelado, numa liturgia de confidências, insinuações e contradições, até atingir o grau de escândalo nacional. Então, uma oposição implacável exigiria explicações, e reclamaria a presença do ministro, enquanto nas televisões as turbinas dos prime time estariam ao rubro com o calor dos debates. No regresso de férias, tudo esquecido… até ao escândalo seguinte. 

Um ditado antigo ensina que ‘os anos dão-nos a experiência e os erros a sabedoria’, mas nós não temos emenda. Veja-se o Sporting: acusação para cá, acusação para lá, tribunais metidos ao barulho, e o abcesso a encher. Rebente quando rebentar, será sempre tarde demais. Em Espanha lêem as notícias de Lisboa e riem-se da palhaçada.