Já não há violetas no Chiado

No Chiado já não há violetas nem livrarias com trunfos nas montras – hoje ocupadas por trastes empilhados ao acaso

Naqueles anos, do virar da década de 50 para a de 60, Maio era o mês em que apareciam os raminhos de violetas, às vezes de amores-perfeitos, sempre viçosos graças às borrifadelas a preceito. Descíamos das aulas noturnas no Instituto Comercial e encontrávamos a primeira violeteira logo à esquina da igreja do Loreto, depois outra, outra e outra. 

Dos estudantes só podiam esperar provocações brejeiras, retribuídas em ‘dó maior’, mas faziam bom negócio com os boémios que vinham da segunda sessão das revistas do Parque Mayer para uma ceia na Brasileira, na Bénard, na Marques ou no Café Chiado. Aí estavam ainda os jornalistas a fazer horas para rumarem às redações, e escritores que não dispensavam uma boa prosa, intervalada com muitos cigarros e bicas. 

O tempo dos manjericos vinha com o Santo António, mais os seus dois companheiros do mês de Junho. Quem quiser saber como era a movida da época só tem de procurar nos livros de Beatriz Costa, frequentadora assídua e retratista bem-humorada das noites do Chiado. 

Os tempos também mudaram para as livrarias. Subíamos a rua do Carmo e, à esquerda, topávamos com a Aillaud & Lellos e com a Portugal. Virávamos para a rua Garrett e impunha-se a Bertrand − frequentada por Aquilino e tutti quanti −, quase em frente à Sá da Costa, num aguerrido mano-a-mano, em disputa pelos trunfos da estação. 

Os trunfos eram o melhor que saía do prelo, avalizado por críticos literários austeros, donos de uma prosa tão hermética que parecia propositada para afastar leitores. Mas não afastava! Quem gostava de ler seguia os críticos do seu agrado e comprava o melhor que aparecia num mercado tão estreito quanto exigente. 

Hoje já não há violetas no Chiado, nem livrarias com trunfos nas montras. Onde, há 50 anos, se exibiam as joias de maior valor, estão hoje uns trastes empilhados ao acaso para ocupar o espaço.

Desaparecida a estimável Pó dos Livros, dou por mim sem saber onde encontrar as obras recomendadas por gente que prezo, tanto dos jornais como da rádio e das televisões. 

Espreito as montras e só vejo umas ‘coisinhas’ que se lêem de enfiada, mas onde não existe uma ideia que se recorde, depois de atirado o mono para o canto onde jazem outros defuntos. Se ouso entrar, tenho de me desviar de mesas atulhadas de capas coloridas e envernizadas, que só seduzem os apreciadores do género. Admito que aquilo se venda, mas quem vai em busca de um livro a sério não o encontra. É como se tivéssemos de manusear toda a quinquilharia da Feira da Ladra em busca de uma aguarela de Roque Gameiro – que talvez lá esteja mas não se sabe onde. 

Pergunta-se por um título, o empregado faz cara de marciano, vai ao computador e informa que não há: o autor não escreve bestsellers, curiosa designação para ‘obras’ escritas em série, onde só variam o título, o local da ação e o nome dos protagonistas. 

E assim estamos: violetas só no campo, livros que valham mais que o custo do papel impresso só pela Amazon. Depois, queixem-se…