É a cultura, estúpidos…

Um ‘fascista empedernido’ e um ‘perigoso comunista’ a dialogarem educadamente? Onde já se viu?  

Ouço religiosamente o programa de debate Radicais Livres, que passa aos sábados na Antena 1. De todo o tempo a ouvir rádio, a ver televisão ou a ler jornais, este é o investimento com maior retorno, em informação útil para o conhecimento aprofundado dos assuntos em análise. Devo isso ao moderador, Rui Pego, mas, sobretudo, a duas figuras que se situam em campos opostos do espetro político: Jaime Nogueira Pinto e Ruben de Carvalho (a ordem é a alfabética). 
A lição que os dois ‘debaters’ dão em cada programa, feita de educação e cordialidade, deveria constituir matéria de estudo para quantos debatem no espaço público, com ‘chumbo’ para os que se mostrassem incapazes de assimilar as regras do confronto civilizado de ideias – que deve ter, em igual proporção, a defesa viva dos pontos de vista próprios e o respeito por quem pensa diferente. 

Um ‘fascista empedernido’ e um ‘perigoso comunista’ a dialogarem educadamente? Onde já se viu? Então não é verdade que o povo prefere o wrestling dos políticos que frequentam o espaço público? A minha explicação é simples: eles serão ‘radicais’ mas são cultos, e respeitam-se porque são democratas. 

Ouço-os com toda a atenção, porque aprendo sempre com quem sabe do que fala, da história à política, da geografia às artes plásticas, do desporto à música ou ao cinema. Fossem assim todos os debates e seríamos poupados à gritaria que nos é servida por programas que preferem o espalhafato da pirotecnia. Vale-nos a rádio, que mantém o altíssimo nível dos anos 60, quando a inteligência mais fina era usada para fintar os coronéis da censura.

Quando os políticos que emergiram com a revolução de Abril começaram a sair de cena, o nível do confronto de ideias baixou de forma constrangedora, até se tornar um espetáculo de feira, com atores improvisados, que não disfarçam a falta de ‘oficina’. Isto para não ir ao extremo da ofensa ao bom senso em que se tornaram as discussões do futebol.

O argumento do mercado – «é isto o que o público consome» – não é aceitável. Um dia alguém explicará duas coisas básicas: a primeira, que a televisão serve para muito mais do que vender publicidade; a segunda, que só a qualidade fideliza. O comércio já aprendeu, os jornais estão a sentir a dura realidade, as televisões virão a seguir: os tempos mudaram, os consumidores são menos formais mas não menos exigentes. E não aceitam que lhes vendam gato por lebre!

Em vez de se atualizarem, substituindo as receitas com prazo de validade ultrapassado, os protagonistas do debate público – político ou qualquer outro – insistem em tiques que cansam e afugentam. Na política, os partidos tradicionais estão a ser trocados por ‘agrupamentos alternativos’, que usam um discurso apelativo que está a seduzir os que estão fartos da batota. Não é inédito. A novidade atrai mas não é garantia de qualidade. 

Os Radicais Livres já explicaram que, no século passado, a demagogia alienou e conduziu à guerra. E também alertaram para o perigo que se esconde nos novos populismos.