London Bridge. Assim será o funeral da rainha

Isabel II é a monarca que está há mais tempo no trono britânico. Desde 1952, o homem foi à Lua, a internet mudou e o Reino Unido da Revolção Industrial desapareceu. Já a “Operação London Bridge” resistiu à passagem do tempo. E regressou ao léxico dos ingleses.

plano chama-se ‘Operation London Bridge’ (Operação Ponte de Londres) e foi delineado na década de 1960. É atualizado três vezes ao ano, mas nunca foi tão passado a pente fino como ultimamente. De tal forma que, segundo a imprensa britânica, altas figuras do governo do Reino Unido foram recentemente chamadas, pela primeira vez, a participar numa reunião secreta para rever os procedimentos protocolares a ter em conta nos dias a seguir à morte da rainha Isabel II. 

O encontro, altamente reservado e que recebeu o nome de código ‘Castle Dove’, aconteceu há pouco mais de uma semana, na sede do governo, na avenida Whitehall, em Londres. E sentou à mesma mesa o adjunto da primeira-ministra, David Lidington, o secretário de Estado para os Assuntos Internos, Sajid Javid, a líder da Câmara dos Comuns, Andrea Leadsom, e o secretário de Estado para a Escócia, David Mundell. «Foi a primeira vez que diferentes ministros se juntaram numa sala para discutir o assunto. Em reuniões anteriores, eram só funcionários [do governo]», descreveu uma fonte ao jornal britânico The Times, acrescentando que se tratou de uma ação protocolar «sem precedentes».

Há já vários meses que o estado de saúde da rainha, que já conta 92 anos, tem estado no centro das preocupações dos britânicos. Isabel II terá até recebido a indicação médica de que precisa de ser operada aos joelhos, mas recusa-se a entrar num bloco operatório. «Está relutante por causa do tempo que a recuperação demora. É incrivelmente corajosa. Sua Majestade não gosta de criar complicações», contou, há dias, uma fonte próxima da família real ao The Sun. A teimosia tem, forçosamente, consequências e, além de precisar de lidar com dores intensas nos joelhos, a rainha tem evitado aparecer em determinados eventos públicos, com receio de não aguentar ou de sofrer uma queda. Um exemplo dessas reservas foi o que aconteceu no mesmo dia em que decorreu a reunião secreta na sede do governo: o Palácio de Buckingham anunciou que a rainha não iria às celebrações dos 200 anos da Ordem de São Miguel e São Jorge na Catedral de São Paulo «por não se estar a sentir bem». 

Ainda assim, as fontes próximas da família real que têm revelado detalhes sobre a preparação do funeral da rainha aos jornalistas garantem que a intensificação do acertar de agulhas protocolares nada tem a ver com o estado de saúde de Isabel II. Todas, sem exceção, garantem que a reunião com os altos membros do executivo britânico terá sido planeada antecipadamente e tendo unicamente por base o «avançar da idade» da rainha. 

Com atualizações do plano ou sem elas, e com mais ou menos reuniões, o protocolo e a organização dos momentos a seguir à morte da monarca mantêm o mesmo nome da década de 1960 e a designação é inspirada no nome de código há muito estabelecido para dizer que a rainha morreu: ‘London Bridge is down’ (a Ponte de Londres caiu). Os códigos da monarquia britânica para falar das mortes de membros da família real remontam ao tempo de Jorge VI – que, ao preparar as suas exéquias fúnebres, quis evitar que as companhias telefónicas divulgassem a notícia antes do tempo, através de escutas conjugadas com línguas viperinas.

E a codificação tem ajudado a manter segredos. Os primeiros detalhes sobre o que acontecerá a seguir à morte de Isabel II foram conhecidos há 14 anos, depois de uma mala e de um computador terem sido roubados do interior do carro do relações públicas do Palácio de Buckingham, Stuart Neil. Mesmo assim, pouco se soube. E o que realmente se sabe foi contado, no ano passado, pelo jornal The Guardian. A primeira revelação é mais ou menos óbvia: uma das primeiras pessoas a saber da morte da rainha será o seu médico, Huw Thomas. E, logo depois, o Príncipe Carlos, a quem compete avisar o secretário pessoal de Isabel II. Será Christopher Geidt a dar a notícia à primeira-ministra Theresa May, por telefone e recorrendo ao célebre código ‘London bridge is down’. As regras da ‘Operation London Bridge’ vão ao ponto de salvaguardar que, caso Theresa May esteja a dormir, deva ser imediatamente acordada para receber a fatídica informação. Até porque cabe à primeira-ministra, logo a seguir, fazer a comunicação da morte aos países da Commonwealth, antes de a Press Association (a agência noticiosa mais importante do Reino Unido) e a BBC serem alertadas. Entretanto, já terá também sido avisado um grupo ‘muito restrito’ de líderes de outros países. E uma nota será afixada no portão do Palácio de Buckingham, numa folha branca com as margens pretas, por um funcionário vestido de negro.  

No interior do palácio, e junto ao corpo, a família mais próxima da rainha cumprirá a tradição, beijando-lhe a mão. O dia da morte, conta quem leu as muitas páginas da operação e a listagem de nomes de código, é chamado de ‘D-Day’e o dia seguinte é referido como ‘D+1’, sendo que todos os dias até à manhã funeral recebem um número, por ordem crescente. Se nada mudar entretanto, caberá ao 18.º duque de Norfolk, Edward William Fitzalan-Howard -, a organização das cerimónias, cujo centro de decisão será instalado no gabinete de Lord Chamberlain, um dos principais oficiais da corte, em Buckingham.

Outros detalhes já divulgados pela imprensa britânica dão conta de que no dia a seguir à morte de Isabel II, o corpo será transportado para Westminster Hall, no mesmo palácio onde funciona o parlamento britânico e onde permanecerá durante quatro dias para que possa ser despedido pelos súbditos. Estima-se que por lá possam passar meio milhão de pessoas. Por essa altura, já terão sido escolhidos os dez homens que vão carregar o caixão da rainha, entretanto ocupados com múltiplos ensaios com uma urna falsa com o mesmo peso que o da rainha – nem um grama a mais, nem um grama a menos -, de maneira a assegurar que nada falha no funeral.

Há ainda os pormenores óbvios, mas não menos importantes: serão declarados dez dias de luto nacional e o Príncipe Carlos assumirá imediatamente o trono, ainda que só seja coroado três meses depois. Será já na qualidade de rei que viajará pela Escócia e pelo País de Gales, como gesto de demonstração de que são parte do reino. Quanto ao funeral, acontecerá nove dias a seguir à morte da rainha, na Abadia de Westminster, e com transmissão assegurada para todo o mundo.