Ameio da semana, foi título de primeira página no jornal Público que Os Maias, a partir do próximo ano letivo, vão deixar de ser de leitura obrigatória no ensino secundário.
Bom, na verdade, independentemente de Os Maias desaparecerem das Aprendizagens Essenciais elencadas pela Direção Geral da Educação para o ano letivo de 2018-2019, aquela obra maior de Eça de Queiroz já não era de leitura obrigatória no ensino secundário faz anos. Pelo menos desde o início deste século.
Inclusivamente, na reforma educativa de 2014, Nuno Crato deu aos professores a hipótese de escolha obrigatória de pelo menos um entre dois romances queirosianos: Os Maias um e A Ilustre Casa de Ramires o outro.
Ora, tanto bastaria para dizer que toda a polémica logo gerada pela notícia do Público fez pouco ou nenhum sentido. Se bem que o que está na base da notícia do Público seja o desfazer de tudo o que Nuno Crato deixou feito. Para o bem e para o mal.
Mas, assim como assim e a talhe de foice, se é um facto que a chamada de primeira página do Público estava objetivamente errada – uma vez que Os Maias já não eram de leitura obrigatória – , também não é menos verdade que não faz mal algum, antes pelo contrário, lembrar os clássicos e discutir se devem ou não constar obrigatoriamente dos programas escolares do ensino secundário.
Trocar Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes ou Manuel da Fonseca por José Saramago é pacífico – embora escolher o Memorial do Convento como obra referencial do Nobel português já seja mais do que discutível.
Mas se há obra que deve estar ao lado da Mensagem de Pessoa ou d’ Os Lusíadas de Camões, porque obra prima da literatura clássica portuguesa, não será nem o Memorial do Convento, nem O Ano da Morte de Ricardo Reis ou o Ensaio sobre a Cegueira – mesmo que os dois últimos se encontrem entre os mais geniais originais escritos em português.
Porque, de facto, são Os Maias.
E Os Maias são sempre, serão sempre, de leitura obrigatória. Constem ou não nas Aprendizagens Essenciais do Ministério da Educação, constem ou não dos programas dos professores de Português do ensino secundário, constem ou não das listas de livros afixadas nos placards das escolas como bibliografia recomendada.
Lembro-mo de nos finais dos anos 80, por altura talvez da primeira Prova Geral de Acesso (PGA), a minha Mãe ter-se zangado com o meu irmão mais novo por, mesmo nas vésperas do dia daquele exame, ‘perder tempo’ a ler Cosmos.
Carl Sagan estava na moda e o meu irmão, embora não lhe reconhecêssemos gosto particular pela ficção científica, ficara ‘agarrado’ àquele livro. Para irritação de minha Mãe, que insistia que o meu irmão, em vez de estar a perder tempo com a cabeça no espaço, devia assentar bem os pés na terra e preparar-se devidamente para o exame.
Pois sim, na PGA desse ano o trecho de obra dado a comentar, e que valia uma boa percentagem para a pontuação final, foi de Camões, Pessoa, Antero, Queiroz ou até dos neorrealistas latino-americanos tão em voga à data, como García Márquez, Neruda ou Amado?
Pois não foi, não senhor.
Foi, sim, de um físico norte-americano muito na moda nesses anos 80 e que dava pelo nome de Carl Sagan. E o trecho era retirado da obra Cosmos.
O meu irmão arrancou 100 por cento e, como já tinha excelentes notas, entrou no curso e na universidade que quis.
E o certo é que ainda hoje a minha Mãe conta essa história. Com a conclusão: nos dias que correm (ou seja, já desde há uns bons anos) vá lá perceber-se o que devemos ou não devemos recomendar a um jovem estudante.
Olhe, o melhor é ler o que lhe apetecer, mas ler.
E, já agora, leia também os clássicos, Gil Vicente, Padre António Vieira, Herculano, Camilo, Garrett, Ferreira de Castro, Torga… Camões e Pessoa, naturalmente. Mas nunca por nunca deixe de ler Eça. E, obrigatoriamente, Os Maias.
Como se lê no site do Ministério da Educação, as «Aprendizagens Essenciais (AE) são documentos de orientação curricular base na planificação, realização e avaliação do ensino e da aprendizagem, conducentes ao desenvolvimento das competências inscritas no Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória». Ou: «As Aprendizagens Essenciais são o Denominador Curricular Comum para todos os alunos, mas não esgotam o que um aluno deve fazer ao longo do ano letivo. Não são os mínimos a atingir para a aprovação de um aluno, são a base comum de referência».
Assim sendo, o melhor é dizer aos jovens estudantes como bem diz o povo: ‘Fiem-se na virgem e não corram…’
Ou, então, leiam o trecho final de Os Maias:
– Espera! exclamou Ega. Lá vem um «Americano», ainda o apanhamos.
– Ainda o apanhamos!
Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
– Que raiva ter esquecido o paiosinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma…
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
– Nem para o amor, nem para a gloria, nem para o dinheiro, nem para o poder…
A lanterna vermelha do «Americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
– Ainda o apanhamos!
– Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou, e fugiu. Então, para apanhar o «Americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia.
Não dá vontade de ler desde o início?