«Estás a ver ou não?»

Por vezes, optamos por olhar para o passado, nostálgicos de uma vida que já vivemos e que, por ser-nos conhecida, nos dá algum conforto e confiança.

Esta inscrição, num portão, em Lisboa, interroga-nos: «Estás a ver ou não?».

Trata-se de uma interrogação pertinente, até porque, muitas vezes, temos dificuldade em ver o que está à nossa frente, o que está diante dos nossos olhos. Como diz Pedro Mexia sobre a poesia de Cesariny: «Para Cesariny, aquilo a que chamamos “realidade” é uma matéria inacabada, que precisamos de ver com outros olhos, de ver completamente: “Se tu não viste tudo o que viste tu?”».

A forma como optamos por encarar a vida cega-nos para outras formas possíveis de olhar. Encerramos, pois, para nós próprios, outras possibilidades, cingindo-nos a apenas uma – aquela que escolhemos. Como disse Anais Nïn: «Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos».

Por vezes, optamos por olhar para o passado, nostálgicos de uma vida que já vivemos e que, por ser-nos conhecida, nos dá algum conforto e confiança.

No quadro «Angelus Novus», o pintor Paul Klee representa um anjo que se afasta de algo que olha fixamente, com um olhar de espanto ou de medo. Parece afastar-se do passado e «onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma única catástrofe, que amontoa ruína sobre ruína, lançando-a a seus pés», como refere Walter Benjamin.

Muitas vezes, o passado é, para nós, uma recordação incómoda; é algo que nos faz pensar que o futuro será muito melhor e que só no futuro poderemos ser felizes. Como diz Ricardo Reis: «Uns, com os olhos postos no passado, / Veem o que não veem: outros, fitos / Os mesmos olhos no futuro, veem / O que não pode ver-se».

Mas esta ilusão do futuro desconhecido, face a um passado conhecido, afasta-nos do tempo em que realmente vivemos – o presente. O passado constitui a nossa herança imaterial de humanidade, aquilo que nos forma e dá consistência, mas não é no passado que vivemos. De igual modo, o futuro inclui possibilidades infinitas, mas que ainda não se concretizaram. Assim, o único tempo em que efetivamente vivemos é o presente. Só no presente somos o que somos, só no presente podemos ser aquilo que desejamos, só no presente podemos realizar os nossos desejos e dar forma aos nossos sonhos.

Mas, muitas vezes, presos nesta linha temporal, que nos enreda e engana, acabamos por perder-nos e não ver o que, para nós, deveria ser claro. Acabamos por não ver o que é mais óbvio, perdidos numa leitura do mundo mais «profunda», tentando ver o que não está à superfície, procurando sempre outras pistas, outros caminhos, outros significados, como se a vida, tal como ela é, não nos bastasse.

E, realmente, não nos basta. O ser humano é, por definição, um ser perfectível e, como tal, procura sempre melhores formas de viver, de se realizar; procura sempre outras alternativas, algo mais que sacie um pouco a sua ânsia de viver cada vez melhor.

Viver é, pois, usufruir da felicidade de estar vivo, da bênção que representa ter vida e dela podermos fazer o que quisermos. Mas a vida só faz sentido quando vivida com e para os outros, com os que estão a nosso lado e fazem parte dela. É isso que dá sentido à vida e torna os nossos dias melhores.

 

Maria Eugénia Leitão

Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services