Choque frontal

É assim que Costa age nos momentos difíceis: quando é para dar boas notícias (como aconteceu no caso das companhias de teatro), chama o assunto a si; quando é para dar notícias más, ou assumir responsabilidades, deixa o odioso para os outros (como sucedeu com o próprio Centeno no imbróglio da CGD, ou com Constança…

Há duas semanas escrevi uma crónica onde afirmava, preto no branco, que António Costa iria ceder em toda a linha às reivindicações dos professores.

Tudo apontava nesse sentido.

Uns dias antes, o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, voltara a reunir com os sindicatos, depois de ter cortado com eles, e acordara em nomear uma comissão para avaliar o custo das exigências dos professores quanto à progressão nas carreiras.

Era claramente um primeiro passo para um recuo do Governo com honra, após as afirmações categóricas do ministro da Educação e do próprio primeiro-ministro (que na inauguração do IC 3 dissera não haver dinheiro para tudo).

O problema é que os professores representam um total de 200 ou 300 mil votos – ou seja, 5% dos votantes –, e isso pode significar a diferença entre a conquista ou não da maioria absoluta.

Ora – acrescentava eu – António Costa não quererá, daqui até ao outono de 2019, desperdiçar um único voto, para não ficar prisioneiro no próximo mandato dos caprichos e ultimatos do BE e do PCP.

É claro que essa cedência aos professores significaria, como também escrevi, uma humilhação do ministro das Finanças.

Mário Centeno está agora em Bruxelas, na liderança do Eurogrupo, tem responsabilidades europeias, e seria um vexame para ele se, no seu próprio país, as finanças derrapassem e não se cumprissem as metas.

Que moral teria ele para falar das casas dos outros se na sua própria casa o desgoverno se instalasse?

Percebendo as hesitações de António Costa nesta questão, Centeno veio dar uma entrevista ao Público com o objetivo expresso de dizer que não haverá cedências aos professores.

«O OE é para todos os portugueses», disse ele, e «não é possível pôr em causa a sustentabilidade de algo que afeta todos, só por causa de um assunto específico».

O episódio fez-me lembrar o que se passou no tempo de José Sócrates, quando este não queria pedir ajuda externa e Teixeira dos Santos fez declarações a um jornal económico dizendo que a ajuda externa era inevitável.

Também agora, nesta entrevista ao Público, Mário Centeno não quis falar só para o país, nem só para os professores – quis sobretudo deixar claro ao primeiro-ministro que não está disposto a ceder e que não vai ceder.

Até porque a cedência aos professores provocaria um efeito em cascata, obrigando à atualização de muitas carreiras da Função Pública – o que teria um elevadíssimo custo, possivelmente acima dos mil milhões de euros.

O ministro sabe, portanto, que não pode dar esse passo.

Se o fizesse, para além dos encargos com a decisão, não teria argumentos para recusar as atualizações de carreiras dos militares, dos polícias ou dos magistrados judiciais.

Nesta questão, há um choque evidente entre Mário Centeno e António Costa.

Ao dar ordens a Tiago Brandão Rodrigues para voltar ao diálogo com os professores, Costa dera um sinal de recuo.

Ao dizer o que disse ao Público, Mário Centeno mostrou claramente que não está disponível para recuar.
Vamos ver como evolui este braço-de-ferro.

Para já, em teoria, três casos se podem dar:  

1. António Costa arranja uma maneira de substituir o ministro das Finanças; 

2. António Costa cede;

3. Mário Centeno volta atrás;

A última hipótese parece-me inverosímil: por razões internas e externas, o ministro das Finanças não vai recuar nesta matéria. 

A primeira hipótese – a substituição de Centeno nesta altura – também me parece implausível.

Assim, julgo que António Costa – embora contrariado – irá fazer um número que já fez noutras ocasiões: alhear-se do problema, fingir que não é nada com ele, mostrar que a decisão não foi sua.

É assim que Costa age nos momentos difíceis: quando é para dar boas notícias (como aconteceu no caso das companhias de teatro), chama o assunto a si; quando é para dar notícias más, ou assumir responsabilidades, deixa o odioso para os outros (como sucedeu com o próprio Centeno no imbróglio da CGD, ou com Constança Urbano de Sousa no caso dos incêndios).

Neste tema das carreiras, Mário Centeno vai ficar como o mau da fita.

António Costa chegará às eleições como se não tivesse nada que ver com o assunto – e até poderá fazer elogios à classe dos professores, louvar a sua dedicação e falar da importância do seu contributo para o progresso do país.

E – já agora – fazer promessas de aumentos para a próxima legislatura, tentando segurar o seu voto. 

E depois logo se vê.