O populismo de esquerda

Não se pode ser polícia e ladrão ao mesmo tempo

O caso foi chocante.

Um vereador da CML que pregava contra a especulação imobiliária era, afinal, um especulador imobiliário.

A frase parece demasiado crua mas é verdadeira.

O prédio que o vereador recuperou não era uma propriedade de família, uma herança de um parente afastado – era um imóvel que foi comprado expressamente para, na linguagem do BE, fazer ‘especulação imobiliária’.

Ou seja, comprado por baixo preço para ser vendido caro.

Ora, se Ricardo Robles queria enriquecer deste modo, não podia andar a gritar contra os que faziam o mesmo.

Não se pode ser polícia e ladrão ao mesmo tempo.

E Catarina Martins, ao defendê-lo no primeiro momento, cometeu o maior erro da sua ainda curta carreira política.
Cavaco Silva, quando um seu ministro (Carlos Borrego) disse uma graça de mau gosto, demitiu-o na hora; Catarina Martins deveria ter feito o mesmo.

A não ser que tenha sentido complexos de culpa por ser também proprietária de casas para alugar.

A verdade é que o caso Robles pôs em causa não só o próprio Robles mas toda a credibilidade do BE.

Se Catarina Martins tivesse demitido Robles imediatamente, recuperaria parte dessa credibilidade abalada.

Ao tentar pateticamente defendê-lo, confundiu-se com aqueles que defendem o indefensável, que protegem os oportunistas e os corruptos.

E isso foi fatal.

A partir de agora, tudo o que o BE diga – sobre a habitação mas não só – será escutado com desconfiança.

Enquanto as pessoas se lembrarem disto (e vão lembrar-se por muito tempo), sempre que um dirigente do BE falar contra os especuladores, contra os despejos, contra as rendas excessivas, a favor dos inquilinos, toda a gente se rirá na sua cara.

E mesmo noutros assuntos as pessoas ficarão de pé atrás.

Esta história pareceu feita de encomenda para descredibilizar aqueles que levam vida de burgueses e depois fazem discursos contra a burguesia.

E, noutro plano, atacam o populismo mas assentam a sua ação num discurso abertamente populista.

Em todas as situações, o BE diz aquilo que as pessoas querem ouvir.

Quando os seus dirigentes vão a uma escola, o que dizem?

Que os professores devem ser assíduos e responsáveis, porque os alunos estão primeiro e são eles a razão de ser do sistema de ensino?

Não: dizem que os professores não podem abdicar dos seus direitos, que devem ir até ao fim na sua luta, mesmo que isso signifique prejuízo para os estudantes.

Ou seja: dizem aquilo que os professores querem ouvir.

Como dizem o que eles querem ouvir quando recusam as avaliações.

E dizem o que os estudantes querem ouvir quando atacam os exames, defendendo que os alunos não devem chumbar.

E quando os seus dirigentes vão a uma fábrica – por exemplo, a Autoeuropa –, o que dizem aos operários?

Que devem procurar chegar a acordo com a empresa, para não prejudicar a economia e as exportações nacionais?
Não: dizem que eles devem recusar o trabalho aos fins de semana, exigir o pagamento a dobrar das horas extraordinárias, contestar os turnos, etc. 

Ou seja: dizem aquilo que os operários querem ouvir.

E o que dizem aos trabalhadores dos transportes?

Que devem evitar fazer greves para não prejudicar os utentes, procurando resolver os seus problemas doutra forma?

Não: incentivam-nos a fazer greves, ou seja, dizem aquilo que os trabalhadores querem ouvir.

E no tempo da troika, esses dirigentes diziam o quê? Que a situação financeira do país era aflitiva, e que todos deviam aceitar fazer alguns sacrifícios para Portugal sair do buraco em que se encontrava?

Não: diziam que a culpa era do Governo, que estava a roubar os trabalhadores, e apelavam à luta na rua, às greves, à revolta.

Ou seja: diziam aquilo que as pessoas queriam ouvir.

Em todas as situações, o BE não atende ao interesse do país, nem da economia, nem das empresas: limita-se a dizer o que as pessoas a quem se dirige querem ouvir.

Se isso não é populismo, é o quê?

Fala-se do populismo de direita, que explora o descontentamento de certos grupos.

Mas o que dizer do populismo de esquerda, que vai a todos os locais onde há insatisfação e que incita à greve, à luta contra o patronato, à desobediência civil?

Que promove o facilitismo nas escolas e é contra tudo o que seja sacrifício e exigência?

Que fala constantemente em direitos mas nunca fala em deveres?

Este populismo já é aceitável?

E o que pensar dele quando se mostra profundamente hipócrita, dizendo uma coisa em público e fazendo outra em privado, como no caso de Robles?