Portugal, a Europa e o mundo só têm a ganhar com o aumento da participação do género feminino na vida pública, na vida política, na vida empresarial, na vida académica, na vida cultural e na vida social em geral.
Para além de se retirarem benefícios diversos do aumento dessa participação, é de elementar justiça de género que tal aconteça. Porquanto não se pode fechar os olhos a um conjunto de bloqueios formais e não formais que impedem que milhares de cidadãs deem a sua participação e as suas competências, não só coletivamente mas sobretudo individualmente. Não o fazer é estar a fechar a possibilidade de, em muitos casos, a maioria da população não participar na vida política e pública.
É certo que, como já aconteceu ao longo da História, existem exageros. Do feminismo exacerbado que, tal e qual uma espécie de religião fundamentalista sobre o feminismo e as mulheres, tem criado obstáculos à implementação por via legal de soluções para combater o ‘machismo’. E até regras não escritas da vida em sociedade que, em áreas como a política, estão formatadas essencialmente para os homens e não para as mulheres.
Felizmente, nos últimos anos, não só na Europa se obtiveram ganhos para esta causa. Ainda recentemente (mesmo que simbolicamente) as mulheres da Arábia Saudita tiveram uma vitória – a de poderem conduzir. Talvez para nós, europeus, seja pouca coisa. Mas para a realidade saudita não é assim tão pouco.
Na última década, o peso feminino na política mundial tem vindo a aumentar. Nos órgãos de soberania – parlamentar, tribunais e governos. E nestes últimos, a transformação não diz apenas respeito ao aumento do número de mulheres mas sobretudo às áreas de responsabilidade governativa.
Se há dez anos a maioria das governantes assumiam responsabilidades em áreas como as questões sociais, a família, os assuntos da mulher, a educação, a saúde ou a cultura, agora já temos governantes do género feminino a assumirem – e bem – pastas que antes pareciam exclusivamente reservadas aos homens. Hoje já há ministras da Defesa, da Justiça, do Interior, dos Negócios Estrangeiros, da Economia, etc.
Longe vão os tempos, em Portugal, em que Ana Castro Osório escreveu o primeiro manifesto feminista do nosso país (‘Mulheres Portuguesas 1905’). Desde essa data, início do século XX, muita coisa mudou. Desde a criação da Liga das Mulheres Republicanas (1908), passando pela verdadeira primeira lei da família, aprovada em 1910, e pela primeira mulher a votar em eleições, em 1911 (a médica Beatriz Ângelo, que levou à criação do direito de voto das mulheres dois anos depois).
Exemplos não faltam. Desde a realização, em 1924, do primeiro compêndio feminista e da educação, à eleição pela primeira vez, em 1934, de três deputadas para a Assembleia Nacional – Maria Cândida Pereira, Domitília Miranda de Carvalho e Maria dos Santos Guardiola – sob a condição de possuírem o curso dos liceus. À escala internacional, o ano de 1948 foi um ano de mudança de paradigma, com a aprovação do princípio da igualdade entre homens e mulheres através da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Entre nós, 1976 foi um ano muito importante, com a aprovação da Constituição da República Portuguesa, com um novo enquadramento jurídico-constitucional de onde subjaz o princípio da igualdade entre homens e mulheres. Que veio a servir de trave-mestra do nosso ordenamento jurídico, e nos tem permitido nas últimas décadas construir novos enquadramentos jurídicos – que paulatinamente têm vindo a acabar com atitudes e posições fechadas nestas matérias.
A lei da paridade, aprovada em 2006, é mais um bom exemplo de avanço no nosso país. E desde esse ano muito mais tem sido feito por sucessivos governos no sentido de criar condições para que o género feminino não seja prejudicado nas oportunidades de participação na vida pública, política, académica, profissional, etc.
Ainda existe muito para fazer neste domínio? Claro que sim. Mas se todos dermos a nossa colaboração e, na nossa condição, os nossos contributos, será possível derrubar mais barreiras.
No meu caso, educado por mãe que sempre me fez perceber e sentir a importância das mulheres na sociedade – e com o exemplo de vida de uma ‘avó’ forte, determinada e líder –, nunca deixei, de forma espontânea (sem precisar de normativos legais para que tal acontecesse), de pugnar pela participação das mulheres em todos os domínios da sociedade. E na vida pública (três governos de Portugal), na vida partidária (com responsabilidades de base local, distrital e nacional), na vida profissional e na vida académica (responsabilidades de direção de faculdade) sempre trabalhei com mais mulheres do que com homens.
Os resultados foram maioritariamente positivos. Com poucas exceções, as desilusões e os problemas com as colegas e as colaboradoras foram mais raros do que com os colegas e os colaboradores.
Daí, ser favorável a uma cultura do aumento da participação feminina na sociedade. Essa é uma tendência não só europeia mas também mundial. Até para temperar os exageros de um certo feminismo fundamentalista e acabar com oportunismos de certas pessoas – que, às costas da causa do feminismo ou da igualdade, esquecem outros valores de vida relevantes para todos os géneros: a memória, o respeito, a competência e, acima de tudo, o interesse geral e não o particular ou pessoal.
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