Uma comissão de censura

A proibição de Marine Le Pen falar em Portugal é um tiro pela culatra para a esquerda, descredibiliza a Web Summit e prejudica o país

A organização da Web Summit anunciou a presença de Marine Le Pen na edição deste ano. Achei a ideia boa, pois a representante da extrema-direita francesa foge ao politicamente correcto e atrai naturalmente audiências. Podia dizer coisas diferentes.

Mas logo o Bloco de Esquerda saltou para a arena e contestou a presença da oradora. E outras vozes críticas se ergueram na esquerda. Até aqui, nada de novo. Também Francisco Louçã contestara a vinda a Portugal de Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, há uns bons anos.

A organização respondeu que desconvidaria a francesa caso o Governo português lho pedisse. E aqui o episódio começou a adquirir contornos estranhos: então um acontecimento da sociedade civil como a Web Summit, supostamente aberto e democrático, sujeitava-se à censura de um Governo?

A verdade é que o Governo – e muito bem – não pediu nada, mas Marine Le Pen foi mesmo retirada da lista.

Este caso é péssimo para a democracia. Porque dá força acrescida à extrema-direita. É óbvio que Le Pen não vinha a Portugal fazer um apelo à revolução. Nem sequer vinha fazer um comício político. Viria dizer o que a direita pensa das novas tecnologias, o que não teria novidade e ficaria circunscrito ao acontecimento.

Ora, este impedimento dá a Le Pen a oportunidade de falar em censura, em ditadura da esquerda. Em todo o mundo, a proibição de Le Pen falar em Portugal será comentada. Portugal será visto como um país onde a liberdade de opinião é limitada.

Mais.

Esta proibição põe os democratas ao lado da extrema-direita e contra a esquerda. Nenhum democrata pode ser cúmplice de atitudes censórias, da diabolização de crimes de opinião. A direita passa de algoz a vítima, o Bloco de Esquerda surge cada vez mais como uma comissão de censura.

Finalmente, a proibição de Marine Le Pen falar em Portugal é péssima para a Web Summit. Julgo que os seus responsáveis actuaram com imensa ligeireza nesta questão. Um acontecimento que era visto com simpatia em todos os quadrantes — da direta à esquerda – passa a ser olhado como um evento politizado, esquerdizado, permissivo a pressões políticas.

Quem se faz respeitar é quem resiste às pressões e não quem cede a elas. A organização da Web Summit não se fez respeitar.

A extrema-esquerda acha que conseguiu uma vitória. Ora, averbou uma enorme derrota. Foi mais um tiro pela culatra. Pôs contra ela os que gostam da liberdade, os que não gostam de censuras. O Bloco de Esquerda mostrou a sua verdadeira face: quando pode, manda calar os adversários. E quem pode gostar de censores?