A sarjeta trotskista de Francisco Louçã

A figura seráfica dá-lhe uma certa autoridade visual, lembrando os velhos fiscais do antigamente que não revelavam qualquer sentimento na mais incómoda das situações. Para padre só lhe falta mesmo o colarinho eclesiástico, pois adora espalhar a palavra como se fosse a do Senhor, neste caso a dele. Tem, como também sabemos, uma visão da…

A figura seráfica dá-lhe uma certa autoridade visual, lembrando os velhos fiscais do antigamente que não revelavam qualquer sentimento na mais incómoda das situações. Para padre só lhe falta mesmo o colarinho eclesiástico, pois adora espalhar a palavra como se fosse a do Senhor, neste caso a dele. Tem, como também sabemos, uma visão da democracia que acaba no dia em que puder chegar ao poder, ou não fosse ele um dos trotskistas mais famosos de Portugal. Há muitos anos que o vemos como o polícia do pensamento, apesar de mudar de ideias com alguma frequência.

Louçã decidiu esta semana apelidar o SOL de jornalismo de sarjeta por o jornal na semana passada ter trazido na capa uma notícia sobre uma casa de férias da família do deputado João Galamba, falando a dita sobre o contrato que foi feito com um organismo público pela mãe de Galamba e de que a casa foi usada sempre pelos filhos ao longo dos anos. Aceito que se questione a publicação da mesma, atendendo a que a mãe do deputado faleceu recentemente e se podia ter esperado mais uns tempos, o que não aceito é que o arauto da seriedade não queira questionar todos os contratos que os políticos e as suas famílias fazem. Por que razão não defende a transparência total dos mesmos? Acha que se vivesse nalgum país nórdico tal seria possível? Acha que é jornalismo de sarjeta questionar os atores políticos dos negócios que fazem com as entidades estatais?

Para Louçã isso pouco importa sempre que estão em causa companheiros de estrada – se a notícia falasse de um deputado do PSD ou do CDS o trotskista ter-se-ia indignado? Não, não teria. Note-se que defendo que os jornais não são vacas sagradas e devem ser questionados se errarem ou perseguirem alguém deliberadamente.

Mas este Louçã que foi colocado no Banco de Portugal por Mário Centeno é o mesmo que dizia que o ministro das Finanças «tem demonstrado bastante vulnerabilidade às pressões externas»? Será o mesmo que dizia que «creio que este governador [Carlos Costa] demonstrou uma impreparação técnica, uma vulnerabilidade a pressões externas e uma incapacidade de consolidar o sistema bancário com o sistema de confiança para os depositantes que o torna um perigo para Portugal?». Sim, é ele mesmo, que está agora sentado ao lado de Carlos Costa. É o artista que desanca nos ex-camaradas que seguem outro caminho e de quem dizia que sonhavam com um lugar de secretário de Estado de um Governo de António Costa.

Louçã, também o sabemos, sonha com o dia em que os capitalistas serão enviados para um campo de concentração e que o aparelho do Estado dominado pelas suas cores possa instaurar uma verdadeira democracia à semelhança da de Nicolás Maduro ou de Daniel Ortega. 

O que separa o jornalismo de sarjeta de Francisco Louçã é que o jornal aceita todas as formas de pensamento, sejam de esquerda ou de direita, que questiona os negócios entre políticos e o Estado, independentemente de serem de esquerda ou de direita, e que defende uma verdadeira democracia, onde cada pessoa tem direito a um voto. Louçã, pelo contrário, sonha com um país a uma só voz, onde terá seguramente um lugar de relevo, e onde os jornais não poderão investigar as tais promiscuidades entre o Estado e os políticos. Quem não se lembra de como Louçã defendeu Robles para depois enfiar a viola no saco? Louçã devia olhar para o seu passado de trotskista quando fala de sarjeta.

vitor.rainho@sol.pt