Organizar a Festa do Avante! causava ‘dores de barriga’

Domingos Abrantes recorda ao SOL a primeira vez que foi ‘à Festa’. E João Oliveira salienta a ‘fraternidade’ vivida por estes dias.

Começou sexta-feira, na Quinta da Atalaia, no Seixal, a 42ª edição da festa do Avante!, conhecida como o evento mais emblemático de mobilização do PCP e que marca a rentrée do partido. A primeira edição aconteceu em 1976 e Domingos Abrantes, dirigente do PCP durante mais de 50 anos, recorda ao SOL que não teve «a sorte» de estar presente, porque a festa coincidiu com o congresso do antigo Partido Comunista da Dinamarca. 

As participações do veterano comunista na Festa começaram um ano depois, em 1977, quando integrou a Direção da Festa como membro do Secretariado. Nessa altura, o festival acontecia no Jamor.

 «Esta festa do Jamor constituiu um marco no historial das festas por ter de certo modo inaugurado o ‘modelo’ em que se tornaram as Festas do Avante!: o maior acontecimento político-cultural realizado em Portugal numa grande ‘cidade’ onde a política, a cultura, a arte, a música, a vida das diversas regiões do país, a alegria, a camaradagem e a fraternidade coexistem», conta Domingos Abrantes.

Quarenta e um anos depois, o agora conselheiro de Estado lembra que «o quadro político não era muito animador» naquela altura. E que, por isso, enfrentaram alguns obstáculos durante a organização da festa, como, por exemplo, a dificuldade para encontrar um local para o evento .«A procura de um local adequado tornou-se numa odisseia, onde não faltou o sectarismo e a mesquinhez política contra a festa do Avante! e que se tornaria prática corrente até termos a Quinta da Atalaia», explica Domingos Abrantes.

O país era governado pelos socialistas, após a vitória do PS nas primeiras eleições a seguir ao 25 de Abril, e Álvaro Cunhal, no discurso de encerramento, atacou Mário Soares por estar a praticar «uma política de desastre». Mais do que isso, acusou «o Governo PS de, em aliança com o PPD e o CDS, preparar uma ofensiva geral contra as conquistas da revolução». 

 

As ‘dores de barriga de qualquer mortal’

Ao longo dos anos, o Avante! ganhou projeção, mas Domingos Abrantes refere que a organização da Festa nos primeiros anos «era de causar ‘dores de barriga’ a qualquer mortal». 

«A nossa experiência na matéria era nula. A estrutura organizativa e de implantação, desde o gabinete de projeto, aos engenheiros, à contabilidade e aos apoios logísticos, era quase na sua totalidade assegurada por trabalho voluntário», conta o comunista.

Para o antigo dirigente do PCP, a realização da Festa do Avante! nos primeiros anos «foi um exemplo da capacidade de organização do PCP, da entrega abnegada e generosa a uma causa comum».

«A vontade de realizar a Festa despertou enormes energias nos militantes e em muitas outras pessoas. Quem não conhece a vida do PCP dificilmente poderá entender as emoções que despertam ver, como se via, pela primeira vez, não nos livros mas na vida real, artistas, engenheiros, cientistas, médicos, juristas, trabalhadores de profissões diversas, homens e mulheres a dar a sua contribuição com os seus saberes ou nas mais simples tarefas, para assegurar o êxito da festa. Pessoas que tiraram as férias para trabalhar no Jamor ou lá se dirigiam depois da suas ocupações profissionais», descreve o comunista.

Quando a festa foi criada «ainda não havia a febre dos festivais», conta Domingos Abrantes, que refere que «era inédito um acontecimento cultural daquela dimensão e qualidade».

«A festa do Avante! tornou-se desde então um património cultural não só dos comunistas mas também do país», defende o antigo dirigente do PCP.

 

João Oliveira era ‘ainda bebé’ quando foi à sua primeira Festa

João Oliveira, o atual líder da bancada parlamentar comunista, conta que era «ainda bebé» quando foi com os pais, pela primeira vez, à festa comunista. As primeiras recordações são de quando tinha 15 anos e já era membro da JCP. «A primeira vez que fui por mim próprio com mais 3 amigos, aos 15 anos e pouco tempo depois de me ter inscrito na JCP, o que mais me marcou foi a enorme dimensão da festa e a expressão concreta do conceito de fraternidade que nela se vive», afirma o líder da bancada comunista.

Ainda hoje, o que João Oliveira mais gosta no fim de semana passado na Quinta da Atalaia – atual local do evento – é «o sentimento de fraternidade que ali ganha expressão concreta na forma como as pessoas se relacionam entre si, da construção aos próprios dias da festa».

Foi aos 14 anos que António Azevedo, membro da JCP, foi à Festa do Avante! pela primeira vez e «a enorme quantidade de pessoas que estava na Festa» foi aquilo que mais o surpreendeu. O jovem salienta também as imagens «dos murais, da existência de diferentes espaços de diversas regiões e do espaço da JCP» que lhe ficaram gravadas na memória.

 

A Festa vista do palco

A festa do Avante! não é apenas política. A cultura também tem um lugar de destaque e são muitos os artistas que já pisaram os palcos do festival ao longo das 42 edições. Alguns são presença regular, como João Gil, que recordou ao jornal Avante! a atuação na primeira edição da festa, em 1976, com os Trovante. «Atuei logo na primeira festa, na FIL. Lembro-me de estarmos brancos e assustados. Mas foi uma noite mágica e um dia fantástico, a constatação do quanto a festa foi importante para todos os músicos e para a música portuguesa e de ter sido o primeiro grande festival (…). Este partido conseguiu ser inovador naquele tempo e atrair muita gente para a festa, independentemente das suas convicções. Isso é um grande mérito», contou o músico.

Quem também não costuma faltar é Janita Salomé, que atuou pela primeira vez na festa do Avante! na Ajuda, quando ainda tocava com Zeca Afonso. «Daí para cá tenho vindo com alguma frequência à Festa do Avante! e ao Palco 25 de Abril», lembrou em declarações ao jornal Avante!. 

Para o cantor, o festival «é um espaço de liberdade que não se vive fora daqui, é um outro mundo cá dentro, uma zona libertada». «O modo de estar aqui é diferente do de lá de fora», acrescenta.