Brasil. As ruas foram invadidas por quem não quer Bolsonaro no Planalto

Milhares de pessoas marcharam por mais de 50 cidades brasileiras para dizerem “ele não” ao candidato da extrema-direita

Milhares de mulheres tomaram este sábado as ruas de 50 cidades brasileiras para dizerem “#elenão” ao candidato presidencial de extrema-direita, Jair Bolsonaro, que lidera as sondagens com 28% das intenções de voto. Enquanto nas ruas se gritava contra o candidato, Bolsonaro abandonava o hospital Albert Einstein, em São Paulo, depois de 23 dias internado na sequência de uma facada numa ação de campanha na cidade Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais. 

“Estamos, hoje, juntas e de cabeça erguida nas ruas de todo o Brasil porque um candidato à presidência do país, com um discurso fundado no ódio, na intolerância, no autoritarismo e no atraso, ameaça nossas conquistas e nossa já difícil existência”, liam, em coro, as mulheres do grupo Ilú Obá De Min, no microfone de um carro da manifestação nas ruas de São Paulo. A ouvi-las estavam não menos que 100 mil pessoas, representando uma ampla coligação de pessoas que recusam a campanha e os valores que Bolsonaro propaga.

Há mais de dois anos que não se viam tantos manifestantes nas ruas brasileiras. A última vez foi nas manifestações contra o presidente Michel Temer, depois do impeachment da ex-chefe de Estado Dilma Rousseff, em 2016. No entanto, e se as ruas foram este sábado tomadas pelas mulheres, a verdade é que estas conseguiram, afirma o “El País Brasil”, construir uma grande coligação na sociedade brasileira na recusa de Bolsonaro. A força das mulheres na política brasileira passou por vários ensaios recentes. O primeiro, em 2015, foi com as manifestações contra uma lei que iria limitar o acesso das mulheres à pílula em caso de violação, e, este ano, com a greve internacional de mulheres. Com a morte da vereadora Marielle Franco, milhares de mulheres voltaram a sair à rua para exigir justiça e relembrar a vida e ativismo da vereadora pelo PSOL. 

Desta vez, o rastilho foi aceso por um grupo de mulheres que decidiu criar um movimento digital contra o candidato presidencial sob o slogan “#elenão”, e cuja página de Facebook, Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, contou com quase quatro milhões de apoiantes em poucos dias. Foi inclusive alvo de ataques de hackers, que mudaram o nome da página para “Mulheres Unidas por Bolsonaro #17”.

Mas não apenas de mulheres se compuseram as manifestações deste sábado. Numa ampla coligação de quem rejeita as ideias de Bolsonaro, viram-se  bandeiras LGBT  e símbolos do movimento negro, bem como vários cartazes feministas. Pelo meio, também não faltaram homens. “Aqui tem pessoas brancas, negras, homossexuais, pessoas que são pais e mães de família e que são muito diversas. E esse tipo de candidato, esse tipo de política, não representa essa cultura brasileira que tem toda essa diversidade”, disse Beatriz Lorena, professora de 33 anos, citada pela AFP e que se manifestou no Rio de Janeiro. “Todo o discurso de Bolsonaro é tóxico. Não podemos deixar que ele comande o país”, alertou Felipe, de 16 anos, citado pelo “El País Brasil” na manifestação em São Paulo. “Sou totalmente a favor desse movimento que as mulheres criaram contra esse candidato fascista. Estou aqui para, além de defender o meu país, defender as mulheres que amo e fazem parte da minha vida e os seus direitos”, acrescentou. 

Na sexta-feira, Bolsonaro, ainda no hospital, deu uma entrevista à TV Bandeirantes em que desafiou os resultados eleitorais de 7 de outubro. “Pelo que vejo nas ruas, não aceito resultado diferente da minha eleição”, afirmou o candidato de extrema-direita que tem causado polémica pelas suas declarações. “O PT só ganha na fraude”, acrescentou, sem, no entanto ter apresentado qualquer prova. É a primeira vez desde o fim da Ditadura Militar, que o próprio rejeita ter existido, que um candidato presidencial desafia o processo democrático. 

O candidato a vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, causou recentemente bastante polémica ao dizer que caso o Brasil entre numa situação de “anarquia” o presidente pode declarar um “auto golpe de Estado” para repor a ordem. 

As declarações de Bolsonaro sobre os resultados eleitorais contribuíram para que ainda mais pessoas tenham saído para as ruas do Brasil. E enquanto o capitão paraquedista na reserva saía do hospital, milhares marchavam contra si. Um exemplo claro da divisão da sociedade brasileira nestas eleições aconteceu quando o candidato presidencial entrou no avião que partia de São Paulo. Quando entrou foi elogiado por uns e chamado de “fascista” e “ele não” por outros. 

Ontem, manifestantes pró-Bolsonaro organizaram ações em apoio ao candidato em 20 cidades distribuídas por nove estados brasileiros, numa clara reação aos protestos de sábado.