Reformar e modernizar o Estado – I Parte

Defendo a formação de uma ‘Equipa de Missão’ ao mais alto nível do Estado, com composição paritária, cujos membros tenham dado provas de serem profundamente sabedores das diversas áreas.

1.Questão prévia – a Constituição  Na minha opinião não faz sentido abordar a Reforma do Estado sem questionar a Constituição da República Portuguesa (CRP).

A CRP tem mais de 40 anos e, apesar de algumas revisões pontuais, corresponde a um período histórico com circunstâncias políticas bem marcadas, sendo os seus redatores já hoje ‘respeitáveis’ mas idosos cidadãos de Portugal.

Ora, os nascidos no pós-25 de abril de 1974 (hoje cidadãos já maduros) não terão direito a uma CRP adaptada aos seus tempos e respetivas circunstâncias?

Com certeza que sim. 

Defendo, por isso, uma nova CRP, mais clara, mais objetiva e… mais pequena, logo mais ‘assimilável’ pela maioria dos cidadãos.

Estou farto!  Há 42 anos que escuto, em cursos, debates, colóquios, seminários, entrevistas e tudo o resto, o professor doutor Jorge Miranda ‘à defesa’ e a tentar justificar a sua ‘filha’: a CRP.

Chega!

É preciso discutir e progredir.

Urge proporcionar às novas gerações a possibilidade de fruírem de uma Constituição que não funcione como travão permanente das reformas e lhes permita enfrentar com sucesso os desafios do futuro, assim como remendar os disparates do presente e do passado.

Só se ama e defende o que se conhece…

Pela sua extensão e complexidade, serão poucos (mesmo muito poucos) aqueles que conhecem suficientemente a CRP para dela falarem com propriedade… É mesmo incrível como assassinos, gatunos, corruptos e similares a invocam, numa tentativa desesperada de prolongarem a devida aplicação da Justiça.

É uma Constituição que permite a litigância e é forte fator de desunião e confusão.

2. A Reforma e Modernização do Estado

É por demais evidente que esta tarefa, fulcral, tem sido sucessivamente adiada, por diversas razões (de circunstância e não só).

Esta minha reflexão e consequente proposta tem por objetivo iniciar um caminho que julgo ‘percorrível’ e ajustado.

Defendo a formação de uma ‘Equipa de Missão’ ao mais alto nível do Estado, com composição paritária, cujos membros tenham dado provas de serem profundamente sabedores das diversas áreas.

Seriam nomeados pelo Presidente da República e pela Assembleia da República, num número não superior a 15 elementos, de entre os quais os deputados elegeriam o presidente.

Com uma ‘Carta de Missão’ clara e objetiva, e num espaço temporal não superior a 90 dias, esta Equipa deveria apresentar uma Reforma Global do Estado Português, de acordo com as capacidades existentes e atendendo às possibilidades do país, que não são infinitas.

Esta equipa deveria começar por fazer uma reflexão sobre as Políticas Públicas tradicionais.

Como ponto de partida, transcrevo um texto escrito em 2011 por um jovem político, pedindo desculpa por não o identificar (por ora):

1. O mundo inteiro, e em particular a área Euro, vive uma situação complexa e instável, marcada por uma grave crise que começou por ser financeira… passou a económica (e posteriormente a social), está a voltar a financeira e não se sabe bem em que medida será o prenúncio de alterações importantes na Europa e no mundo;

2. As nossas crescentes dificuldades resultam, sobretudo, das vulnerabilidades próprias que estão associadas a políticas desadequadas que prosseguimos desde há muitos anos;

3. Há duas causas fundamentais (dessas dificuldades): o aumento desequilibrado da esfera de responsabilidade do Estado… e a profunda mudança de enquadramento económico;

4. Apesar das políticas de reprivatização iniciadas nos anos 90, o setor empresarial do Estado viu aumentar razoavelmente o número detido de participações sociais em empresas e, no seu conjunto, as empresas públicas acumularam dívida significativa não consolidada;

5. Tem-se dito que ‘a festa acabou’ e é bem verdade. De agora (2011) em diante, haverá uma permanente pressão para o desenvolvimento de políticas restritivas ou mesmo de austeridade, e o acesso ao financiamento será sempre mais difícil e bastante mais caro para o Estado, mas sobretudo para as famílias e empresas;

6. A construção de uma ‘Agenda de Verdadeira Mudança’ implica atuar sobre o curto prazo. No respeitante ao médio e longo prazo, a atuação deve privilegiar o domínio do que é estrutural;

7. Trata-se, portanto, de produzir uma efetiva reforma da Administração Pública, que abranja a efetiva extinção de institutos e outros organismos excedentários e suporte a passagem do chamado Estado-Providência ao Estado Regulador ou Estado-Garantia.

Já lá vão cerca de sete anos sobre a publicitação destes pensamentos matriciais, e neles iremos inscrever esta reflexão sobre uma ‘Revisão Geral das Políticas Públicas’ (PP), começando por nos interrogar:

Porquê uma revisão geral das PP?

Após cerca de 40 anos, o domínio público conheceu um incremento muito rápido dos respetivos servidores e despesas.

Numerosos organismos públicos foram ampliados sem coerência justificada, criando um panorama administrativo confuso, insuficientemente eficaz e altamente custoso. Esta situação não satisfaz. O cidadão tem direito a serviços públicos eficazes e a custo razoável.

E o que é a revisão geral das PP?

É pôr no devido lugar o conjunto das missões do Estado, sem tabus nem reservas, para o adaptar às necessidades atuais dos cidadãos.

Ela visará identificar as reformas que permitirão reduzir as despesas de Estado. E essa poupança poderá e deverá canalizar recursos para as políticas prioritárias, pela reorganização dos serviços e diminuição dos seus efetivos.

O Estado encontrará assim os recursos necessários para fazer face às grandes prioridades de um Governo de coragem.

E como fazê-la?  É necessário passar ao ‘crivo’ o conjunto das despesas do Estado, a partir de uma interrogação simples sobre as sete questões de uma grelha de análise (ver figura em anexo), a saber:

1. O que fazemos?

2. Quais as necessidades e expectativas que os cidadãos têm do serviço?

3. É necessário continuar?

4. Quem o deve fazer?

5. Quem o deve pagar?

6. Como fazer melhor e a mais baixo custo?

7. Qual deve ser o cenário da transformação?

Para responder a estas questões devem ser constituídas equipas compostas por auditores especializados no serviço público e no setor privado, encarregadas de, em conjunto, identificarem os níveis de reforma adequados.

Deve ser passado em revista o conjunto das atividades produtivas do Estado, mas também as grandes PP em que o Estado intervém ao lado de outros parceiros (família, saúde e assistência na doença, desenvolvimento de empresas, regionalização, emprego e formação profissional e solidariedade).

Em paralelo, outras equipas dever-se-ão encarregar da administração do território, da simplificação de procedimentos e da relação entre o poder autárquico e a administração central, bem como da administração integrada dos recursos humanos do Estado.

Como decidir as reformas e como as aplicar?

As propostas elaboradas e apresentadas pelas equipas referidas serão examinadas pela Equipa de Missão, que lhes deve dar coerência e globalidade.

Seguir-se-á um amplo debate por todo o país, após o que a Equipa de Missão deverá apresentar o ‘documento final’ à consideração do PR e votação da AR.

Com sinceridade — mas também com algum cinismo — esperamos ter contribuído com este escrito mais do que Paulo Portas, então vice-primeiro-ministro e MNE, contribuiu com o ‘conjunto de papéis’ que entregou em Conselho de Ministros, na qualidade de encarregado da matéria em questão.

Iremos, em próximo artigo, dar exemplos concretos de possíveis soluções nas PP que melhor dominamos em conhecimento e experiência.

*Major-General Reformado