PJ ‘trama’ PJ na investigação à PJM

Uma das pessoas na mira da investigação é o ex-diretor da PJ, que em dezembro terá dado o alerta ao diretor da PJM de que havia escutas. Almeida Rodrigues nega ao SOL que tenha dado qualquer aviso.

Almeida Rodrigues nega ao SOL que tenha dado qualquer aviso.

O ex-diretor da PJ, Almeida Rodrigues, terá dado o alerta a um dos arguidos da Operação Húbris, que investiga o reaparecimento forjado das armas furtadas dos paióis de Tancos. Os arguidos, elementos da PJ Militar e da GNR, estavam a ser investigados e a partir do alerta terão decidido mudar de telemóveis e planear estratégias para confundir os investigadores da PJ.

O aviso dado pelo então diretor da PJ aos arguidos, segundo fontes da investigação contactadas pelo SOL, aconteceu em dezembro de 2017 e terá partido da figura da hierarquia da PJ mais improvável. Almeida Rodrigues terá sido apanhado numa escuta no âmbito da investigação Húbris a falar com Luís Vieira, seu conhecido – ex-diretor da PJ Militar preso preventivamente, sendo ambos oriundos da mesma região: o primeiro de Viseu, o segundo de Moimenta da Beira. Almeida Rodrigues é ainda amigo do irmão do diretor da PJM, Fernando Vieira – ambos iniciaram a sua carreira na diretoria de Coimbra da PJ.

Segundo algumas fontes explicaram ao SOL, Almeida Rodrigues, que esteve na direção da PJ de 2008 a maio de 2018, pode mesmo vir a ser constituído arguido na Operação Húbris por favorecimento pessoal praticado por funcionário e violação do segredo de justiça.

Ontem, contactado pelo SOL, o antigo diretor da PJ negou que alguma vez tivesse passado informação privilegiada a quem quer que fosse. «Falei apenas uma vez com Luís Vieira na qualidade de Diretor Nacional da PJ para o Diretor Geral da PJ Militar, no sentido de ser cumprido o despacho da Procuradoria-Geral da República, segundo o qual a PJM devia coadjuvar a PJ na investigação sobre Tancos. Foi uma conversa institucional numa cerimónia oficial, a comemoração dos 700 anos da Marinha, a 12 de dezembro. Nessa altura, admito que tenha dito: ‘convosco ou sem vocês, vamos investigar isto até ao fim», explicou, reforçando que se tratou de uma conversa normal.

 Mas esse não será para já o entendimento dos investigadores, que acreditam que foi passada informação privilegiada e que a mesma deixou a cúpula dos investigadores da PJM, que fizeram parte da operação forjada, em transe. Para tentar despistar, o diretor da PJM terá dado uma ordem que acabou por não ser cumprida por todos, ou seja, pelos elementos da PJM e da GNR que participaram na operação de recuperação das armas: tinham de se desfazer dos telemóveis e dos cartões associados aos aparelhos usados na operação feita à margem da lei. Julgavam os mentores do inopinado golpe, e com muita pouca ciência forense, que conseguiriam impedir que a PJ reconstituísse os seus passos durante os quatro meses em que, com a GNR de Loulé e o autor do furto – João Paulino um traficante de armas e droga – planearam a entrega das armas que vieram dar à costa na Chamusca.

Tarde de mais. A Unidade Nacional de Combate ao Terrorismo da PJ em parelha com os procuradores João_Melo e Vítor Magalhães, já os tinha sob escuta desde novembro de 2017, um mês após o ‘achamento’ das armas. E bastava-lhes apenas as listagens telefónicas dos vários intervenientes para os ligar entre si e, através da localização celular, colocá-los nos locais chave: desde os vários encontros realizados com João Paulino até à encenada entrega do material militar roubado.

Sentindo-se encurralados a partir de dezembro, colocam todos os cenários em cima da mesa. Caso fossem detidos, era fundamental estarem em sintonia. E para isso, era preciso avisar a GNR de Loulé que o grupo estava a ser alvo de uma investigação.

Em dezembro, antes ainda de serem avisados de que estavam a ser escutados, o nervosismo já estava ao rubro e as conversas telefónicas enchiam-se de cautelas. Roberto Pinto da Costa, PJ militar do Porto, o  elemento daquela policia que foi avisado pela polícia civil de que haveria um plano para assaltar uma base militar (dois meses antes do assalto a Tancos em julho de 2017), combinava com o seu adjunto, Mário Carvalho, um almoço no restaurante Jolibela com a GNR do Algarve para os por a par de tudo. A mensagem é clara: é preciso «combinar versões, porque isto está a apertar um bocadinho e nós podemos ter…»

E é imediatamente antes desse  almoço, numa reunião que teve lugar no destacamento da GNR de Loulé, que a ordem de mudar de telemóveis é dada – estavam presentes oitos militares da GNR (com exceção do responsável do Núcleo de Investigação Criminal, Lima Santos), Pinto da Costa e o sargento Mário Carvalho. A ordem vinha de cima, mas Pinto da Costa decidiu manter o aparelho, achando que bastava mudar o cartão. Foi o suficiente para o plano ir ao charco. Os investigadores da PJ, através do IMEI do aparelho, conseguiram detetar os novos números para quem este elemento da PJM ia ligando e assim reconstruir o puzzle.

Um dos oito militares da GNR que estiveram na reunião revelou ao SOL que o grupo da GNR esteve convencido durante os trabalhos de recuperação das armas de que a a PJM estava a trabalhar em conjunto com a PJ. A mesma fonte, que preferiu não ser identificada, recorda que só começaram a estranhar a atuação da PJM quando viram a Judiciária civil ser proibida de entrar em Santa Margarida logo após o ‘achamento’ do material de guerra.

Nas buscas foram encontrados diversos telemóveis – todos comprados a seguir ao ‘achamento’ – e as caixas dos mesmos, só o telemóvel antigo de Pinto da Costa é que foi localizado até hoje.

 

GNR e PJM: duas versões  diferentes

As versões da GNR e da PJM têm ido em sentidos contrários. A GNR de Loulé, que colaborou com a PJM na operação de recuperação de armas, apercebeu-se a determinada altura que aquele caso estava longe de ser uma investigação normal. Costuma dizer-se que há sempre uma gota de água, nesta caso houve duas: a primeira foi quando os militares da GNR viram elementos da Polícia Judiciária civil serem proibidos de entrar em Santa Margarida logo após a recuperação do armamento; a segunda quando leram o comunicado da PJM a afirmar que a descoberta iniciou-se com uma chamada anónima – quem esteve no centro de tudo sabia que isso era uma mentira. E esse foi o motivo que levou os militares da GNR a recusarem o louvor que lhes tinha sido atribuído.

Logo após o assalto a Tancos, os ânimos entre a PJM e a PJ começaram a aquecer, com a primeira a sentir-se posta de lado na investigação em curso e a acusar nos bastidores a Judiciária civil de nada ter feito quando recebeu uma denúncia a avisar que este assalto poderia vir a acontecer – apesar de a PJ ter feito algumas diligências e ter informado a própria PJM. Um dos episódios que mais marcou esta guerra foi o facto de a PJ ter dito que iria encontrar-se com um informador no Algarve, não deixando que elementos da PJM acompanhassem a diligência – o informador era Paulo Lemos, conhecido como ‘Fechaduras’.

A partir daí, segundo o SOL apurou, os investigadores da Judiciária Militar tentaram contornar os colegas da polícia civil e chegar a este homem, que foi convidado para fazer o assalto e não terá aceite. É no decurso dessas investidas que entram em contacto com a GNR de Loulé, dado que se tratava de alguém que vive Algarve e que já tinha cadastro criminal. Quando a informação chega a Loulé, o militar Bruno Ataíde faz saber que mantém contacto com um ex-colega dos Fuzileiros que pode ajudar a chegar até ao ‘Fechaduras’.

O antigo colega do militar é João Paulino, o arguido suspeito de ser o principal responsável pelo roubo das armas de Tancos. Ao SOL, fontes conhecedoras da investigação contam que, na conversa, Paulino terá querido saber qual o motivo por que queriam chegar até ao ‘Fechaduras’, tendo-lhe sido dito que estava em causa um roubo de armas, algo que estava a circular na comunicação social.

Quando se viu encurralado e percebeu que as autoridades já estavam a chegar muito perto de si – até porque o informador da PJ sabia que tinha sido ele o responsável pelo assalto –, Paulino pede para falar com o seu ex-colega pedindo para que em troca da restituição das armas nada lhe aconteça – apesar de nunca ter dito que era o autor do roubo, apenas que sabia como chegar até ao armamento.

Depois de um primeiro encontro a sós com  Bruno Ataíde, na segunda reunião esteve presente também o superior do militar, o sargento Caetano Domingos Lima Santos.