O Lokomotiv-FC Porto de ontem foi um daqueles jogos que provam a falibilidade da teoria de Aurelio De Laurentiis. O presidente do Nápoles dizia, em entrevista ao jornal francês “Le Parisien”, que os jogos de futebol deviam ter menos tempo (duas metades de trintas minutos com pausas pelo meio, defendia) porque “são muito longos e deixam as pessoas a dormir na maior parte do tempo”. E até pode ter razão nalguns casos – é verdade que, atualmente, com tanta predominância da tática e da estratégia e com a habilidade, o virtuosismo e a questão técnica a ter cada vez menos peso, muitas das partidas a que se vai assistindo, entre as quais as de maior cartaz, se tornam de facto aborrecidas e muito pouco espetaculares.
Pois bem: ontem, em Moscovo, assistiu-se exatamente ao inverso de tudo isso. Do início ao fim, o jogo entre o Lokomotiv e o FC Porto foi um tratado de vertigem e espetáculo. Foi sempre bem jogado? Não, claro que não. Mas foi emotivo, excitante. Vivo. E correu de feição às cores portuguesas, obviamente: o triunfo (1-3) deixa os portistas no primeiro lugar do grupo D e com um saldo muito positivo nas duas saídas já realizadas, juntando-se ao empate (1-1) conseguido no terreno do Schalke 04 na primeira ronda.
O olá do senhor Champions O desfecho podia ter sido muito, muito diferente, não fosse a ação direta de dois portugueses… que atuam no Lokomotiv. O FC Porto entrou a todo o gás, mas poderia ter ficado atrás no marcador logo aos dez minutos, mercê de um penálti cometido por Alex Telles sobre o veloz Alexey Miranchuk – o irmão, Anton, seria protagonista mais tarde. Chamado à conversão, como sempre quando se trata de bolas paradas no campeão russo, Manuel Fernandes inspirou fundo, mas Casillas adivinhou o lado e defendeu com mestria – afinal, o senhor Champions continua a fazer jus ao epíteto.
Um falhanço de Marega, um corte in extremis de Militão e dois decisivos de Alex Telles – tudo isto no espaço de nove minutos. Frenético! Mas calma: faltava o penálti para o FC Porto… cometido por Eder. Num canto a favor dos dragões, o herói de toda uma nação agarrou Felipe; a equipa de arbitragem estava atenta e não vacilou. Tal como Marega, que atirou direitinha para as redes de Guilherme – o brasileiro naturalizado russo acertou o lado, mas não conseguiu travar o petardo do maliano.
Vinte e cinco minutos e um jogo completamente transfigurado em relação ao que podia ter sido. Mas não parou por aqui, claro: 35’ e um trabalho belíssimo de Corona, a bailar sobre o defensor na linha limite da área e a cruzar para a cabeçada fulgurante de Herrera. Três minutos depois… e golo do Lokomotiv: Militão perdeu a bola, Alexey Miranchuk serviu o irmão Anton e este atirou sem hipóteses para Casillas, no que foi o primeiro golo dos russos nesta edição da Champions. O jogo estava relançado.
Chega a segunda parte… e golo do FC Porto! Brahimi encontra Corona nas costas de Howedes (campeão mundial pela Alemanha em 2014), o mexicano domina e atira um míssil cruzado para a baliza russa. A bola passou rente à luva de Guilherme, que parece ter sido mal batido – mas isso de pouco interessava aos jubilosos dragões, que viam os três pontos (e o tão saboroso dinheirinho que chove a cada vitória europeia) cada vez mais próximos.
Sete minutos volvidos e um remate perigosíssimo de Denisov em arco a sair perto da baliza de Casillas. Um minuto depois, remate de fora da área de Manuel Fernandes, Casillas defende para a frente e golo do Lokomotiv – a rendição de Eder… que não contou, supostamente por fora de jogo. Mal assinalado, viu-se depois nas repetições televisivas: o internacional português estava em linha no momento do passe.
No ataque seguinte, Alex Telles a impedir no último momento mais um remate do pobre Ederzito, que olhava para o céu em busca de conforto divino. Sessenta e cinco minutos, distração de Felipe e Casillas a impedir o golo… de Eder. Por esta altura já dá para perceber que o avançado luso não iria inscrever o seu nome na lista de marcadores, certo?
Dois minutos passaram e ordem de substituição no Lokomotiv. Manuel Fernandes dá o lugar a Zhemaletdinov e deixa o treinador, o histórico Yuri Semin, de mão estendida. Adivinha-se mão pesada para o médio português – apesar do protagonismo que desempenha na equipa russa. No lance seguinte, Alexey Miranchuk atira perigoso, mas às malhas laterais de Casillas. Sérgio Conceição refresca as tropas, trocando Corona por André Pereira, e vê pouco depois uma boa iniciativa de Brahimi redundar numa defesa de Guilherme.
Da Rússia… com muito amor Até que, aos 76’, chega o ingrediente que faltava para um verdadeiro show de bola: um cartão vermelho. O (in)feliz contemplado foi o central Kverkvelia, por sinal muito pouco jeitoso de pés – e foi precisamente isso que o levou a derrubar Herrera, depois de não conseguir receber um passe aparentemente fácil de resolver.
A partir daqui, finalmente o jogo entrou numa toada mais calma – ainda assim, Herrera e Alex Telles continuaram a testar a pontaria, bem como Bazoer, entretanto lançado para o lugar do extenuado Óliver: servido de bandeja pelo renascido Adrián e depois por André Pereira, o médio holandês atirou primeiro ao lado e depois por cima.
Com o apito final chegou a certeza do triunfo portista e o fim de um grande jogo de futebol. No seu primeiro duelo de sempre com o Lokomotiv, que somou a quarta derrota consecutiva na prova e a terceira derrota em quatro receções a conjuntos portugueses, os dragões confirmaram o histórico positivo na Rússia: em sete jogos, soma cinco vitórias (todas em Moscovo), um empate e apenas uma derrota. Falta dizer que, no outro jogo do grupo, Galatasaray e Schalke 04 não saíram do nulo, pelo que o FC Porto é para já líder incontestado.