Moscovici e Centeno esperam que Itália recue na proposta de OE

O governo italiano já avisou que não irá voltar atrás na sua proposta de orçamento em “nem um euro”

Bruxelas decidirá sobre a proposta de orçamento italiano a 21 de novembro, anunciou ontem o comissário europeu das Finanças da zona euro, Pierre Moscovici, à entrada da reunião do Eurogrupo. Entretanto, o Eurogrupo e a Comissão Europeia (CE) aguardam por uma nova proposta italiana que respeite os objetivos acordados no passado. “Espero e acredito que a abordagem racional seria termos uma nova proposta orçamental a 13 de novembro”, disse o comissário europeu, pedindo para não haver precipitação nas conclusões. “Vamos passo a passo, com respeito pelo processo. As regras são muito claras: temos de garantir que a dívida italiana não cresce e que o défice estrutural é reduzido, o que não era o caso na primeira proposta orçamental”, explicou. O Eurogrupo reunia-se à hora de fecho da edição.

Na qualidade de presidente do Eurogrupo, Mário Centeno não deixou de se referir às regras orçamentais da zona euro para justificar o chumbo da proposta italiana. “Que essa revisão permita trazer o orçamento italiano em linha com aquilo que são as nossas regras orçamentais, para trazer sustentabilidade e estabilidade quer a Itália, quer a toda a área do euro”, disse o também ministro das Finanças português.

Se Centeno e Moscovici esperam por uma nova proposta, o governo italiano já anunciou que não irá alterar em “nem um euro”, independentemente das pressões que receba de Bruxelas. “De Bruxelas, até podem enviar 12 cartas, os orçamentos não vão mudar”, reagiu o ministro do Interior e líder da Liga, Matteo Salvini, ao tomar conhecimento do chumbo da CE. “Estamos aqui para melhorar a vida dos italianos, a mim parece-me um ataque com preconceitos. É um ataque à economia italiana.”

Salvini também não deixou de criticar o fetichismo de Bruxelas pelo défice e o seu impacto na dívida pública, afirmando que “todos os orçamentos que passaram por Bruxelas nos últimos anos aumentaram a dívida italiana em 300 mil milhões de euros”. Há anos que a economia italiana – a terceira maior da zona euro – está em dificuldades, com a banca a ter passivos superiores a 300 mil milhões de euros. O crescimento é fraco, e a dívida pública a segunda maior da Europa – 130%. 

Bruxelas deseja que o governo italiano alcance em 2019 um défice de 1,8%, como acordado com o anterior executivo, mas Roma pretende aumentá-lo para os 2,4% (mais 37 mil milhões de euros) para poder investir na economia e reduzir impostos.

Foi a primeira vez que a CE rejeitou um orçamento de um Estado-membro, o que representa o maior confronto sobre as políticas europeias desde a formação do governo Syriza, liderado por Alexis Tsipras, na Grécia, em 2015. A decisão já era esperada em Roma, mas nem por isso deixou de gerar desconforto no governo italiano, uma coligação entre o partido de extrema-direita Liga e o populista Movimento 5 Estrelas, liderado por Luigi Di Maio. Todavia, se o governo italiano mantiver a posição poderá ser alvo de uma recomendação da CE para que se avance com multas por procedimento de défice excessivo – à semelhança do que quase aconteceu a Portugal em 2016. Se Bruxelas avançar, a medida será discutida no Conselho Europeu de dezembro. Mas existe o risco de a situação escalar a poucos meses das eleições europeias, dando argumentos aos partidos anti-UE. 

O orçamento proposto obedece a uma lógica interpartidária no seio do governo italiano. Salvini tem-se destacado em Itália e na Europa pelas suas posições anti-imigração, avançando nas sondagens e dando a entender ser a força motriz da coligação, fragilizando o seu parceiro. Para não perder força, Di Maio tem de cumprir as promessas do programa de governo e para isso precisa de investimento público, aumentando o défice e entrando em choque direto com o Tratado Orçamental. Caso não o faça, corre o risco de defraudar as expectativas do seu eleitorado e, consequentemente, de descer nas sondagens, perdendo força no seio da coligação. A proposta italiana é, por isto mesmo, um choque de sobrevivência política de um governo populista e com características de extrema-direita isolado no palco europeu, à semelhança do governo de Tsipras em 2015.