Cesare Battisti. Uma vida de fugas

Cesare Battisti foi condenado pela Justiça italiana a prisão perpétua. Em 2004, fugiu para o Brasil, onde recebeu o estatuto de refugiado político e um indulto de Lula. Tornou-se um símbolo do governo do PT, mas agora o Presidente eleito Jair Bolsonaro quer extraditá-lo para Itália.

Cesare Battisti. Uma vida de fugas

É o mais conhecido rosto da luta armada da organização de extrema-esquerda italiana Proletários Armados pelo Comunismo. Cesare Battisti foi acusado de quatro assassinatos e condenado a prisão perpétua pelos tribunais italianos. Desde 1978 que se encontra em fuga, com entradas e saídas da prisão nos países por onde passou, por causa de pedidos de extradição italianos. Em 2010, já depois de ter recebido o estatuto de refugiado político, o então Presidente Lula da Silva indultou-o no último dia do seu mandato, transformando Battisti num símbolo. Agora, o ministro do Interior italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, quer que o ex-ativista seja extraditado para Itália e o Presidente eleito Jair Bolsonaro tem mostrado disponibilidade para o fazer. Esta é a história de Cesare Battisti. Uma vida de fugas. 

A contestação do Maio de 68 já tinha chegado e partido, mas as suas ondas ainda se faziam sentir em Itália. Viviam-se os chamados «anos de chumbo» no final da década de 70, com confrontos entre a extrema-direita e a extrema-esquerda nas ruas italianas. O movimento autónomo italiano, desde sempre forte, assumiu parte da responsabilidade no combate à extrema-direita e alguns dos seus grupos optaram pelo combate armado. Foi o caso da organização a que o ativista e jornalista Cesare Battisti se juntou, o Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), criado em 1976 em Lombardia, Itália. Ao contrário das Brigadas Vermelhas, o PAC era horizontal e composto por várias células, que podiam agir conforme entendessem. Defendia a democracia direta e a auto-organização das classes oprimidas, seguindo os princípios do movimento autónomo italiano. Para isso, apoiava a luta dos operários por meios extralegais, como sabotagem de fábricas com disputas laborais – aconteceu a 8 de maio de 1978 à fábrica da Alfa Romeo, em Milão -, mas rapidamente se concentrou no combate às forças da ordem e milícias de extrema-direita. Relembre-se que na altura a extrema-direita fazia atentados terroristas, apoiados pela chamada Operação Gladio, da NATO e CIA norte-americana, culpando a extrema-esquerda, como o jornalista de investigação Eric Fratini explica no livro A manipulação da Verdade, editado pelo Bertrand Editora. Entre as vítimas do grupo de Cesare Battisti contam-se o guarda prisional Antonio Santoro por alegadamente torturar detidos em 1978; o joelheiro Pierluigi Torregiani, depois de ter morto um ladrão num assalto; o talhante e membro do Movimento Social Italiano, de extrema-direita, Lino Sabbadin; e, por fim, um inspetor que investigava a morte de Torregiani, Andrea Campagna. Battisti foi julgado e condenado a pena de prisão por participação em grupo armado, assalto e aceitação de armas. Ao fugir da prisão com Pietro Mutti, que mais tarde viria a ser um dos principais pentiti (arrependidos) com a delação premiada, o guarda prisional Antonio Santoro acabou assassinado. Era acusado de torturar presos. 

Battisti veio a ser novamente condenado, desta vez à revelia, nos tribunais italianos pelos quatro assassinatos em 1979, com a acusação a basear-se na delação premiada de outros membros da organização – a de Pietro Mutti foi a principal. Recebeu pena de prisão perpétua pelos quatro homicídios. Já tinha fugido para França, onde viveu na clandestinidade por um ano e conheceu a sua primeira mulher, Laurence Battisti. 

Abandono da luta armada

No seu livro A Minha Fuga Sem Fim, Basttini relata que o assassinato do primeiro-ministro italiano Aldo Moro, em 1978, às mãos das Brigadas Vermelhas, fez com que a esquerda revolucionária se tenha apavorado com a intensa repressão do Estado, com muitas organizações a abandonarem a luta armada. Por a PAC ser descentralizada, as divisões sobre se a estratégia armada deveria continuar imperaram, mas Battisti afirmou que abandonou a organização antes de três dos quatro assassinatos de que é acusado terem acontecido: «Juntamente com parte dos militantes de primeira hora, naquele momento decidi virar a página e renunciar definitivamente à luta armada». 

Depois de um ano em França, decidiu fugir para o México, ficando em Puerto Escondido, onde nasceu a sua primeira filha e escreveu A Minha fuga Sem Fim. Em 1985, o Presidente francês François Mitterrand avançou com a Doutrina Mitterrand, que impedia a extradição de «pessoas envolvidas em atividades terroristas na Itália até 1981 e que tivessem abandonado a violência». Battisti voltou então a Paris, mas foi detido pelas autoridades por Roma ter pedido a sua extradição. Ficou na prisão de Fresnes, a sudeste de Paris, durante quatro meses, mas a extradição acabou por ser recusada e foi libertado. Nas Presidências de Jacques Chirac (1995-2007), Paris concedeu, em 2004, a extradição a Roma e Battisti viu-se forçado a fugir do país para o Brasil, passando por Espanha, Portugal continental, Madeira, Canárias e Cabo Verde. 

Em 2008, acabou detido no Rio de Janeiro pela Polícia brasileira com a ajuda da Interpol e das autoridades francesa e italiana. Encarcerado, o ativista pediu ao ministro da Justiça de então, Tarso Genro, o estatuto de refugiado político, que lhe foi concedido. Um conflito diplomático entre Brasília e Roma foi crescendo, com Genro a fazer críticas e a duvidar da democracia italiana. Durante dois anos assistiu-se a um embróglio diplomático-jurídico, mas no último dia do seu mandato, em 2010, o então chefe de Estado brasileiro Lula da Silva pôs-lhe termo ao dar um indulto a Battisti, uma prerrogativa que a Constituição brasileira lhe dá. O ex-ativista ficou no país e a viver em liberdade. Mas também se tornou num símbolo para o governo de Lula e numa arma de arremesso para os seus críticos de direita.

Desde aí que o ex-ativista de extrema-esquerda se tem focado exclusivamente na publicação de obras, tendo escrito 15 até ao momento. «Houve durante muitos anos uma campanha da imprensa que acabou comigo. Para eles, não existe o Cesare Battisti ser humano, o autor. Só existe um Cesare Battisti terrorista», disse o escritor em entrevista à revista brasileira Fórum em 2015. «Quando o assunto é algo relativo à política e ao judiciário, tem uma fila de jornalistas para falar comigo. Quando se trata do lançamento de um livro, não aparece ninguém». 

Agora, com Bolsonaro no Planalto, Battisti pode ser extraditado para Itália se, mais uma vez, não fugir para outro país. Não foi líder da PAC, mas tornou-se na sua cara mais conhecida pelo mundo fora. 

Pedido de extradição

Entre as inúmeras felicitações de chefes de Estado e de Governo à eleição de Bolsonaro, destacou-se a do ministro do Interior italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, que pediu a extradição do ex-ativista de extrema-esquerda exilado no Brasil. «Mesmo no Brasil os cidadãos mandaram a esquerda para casa! Bom trabalho para o Presidente Bolsonaro, a amizade entre os nossos povos e nossos governos será ainda mais forte!!!», escreveu Salvini no Facebook, mostrando interesse em «pedir que o terrorista vermelho seja enviado de volta para Itália». Durante a segunda volta Presidencial, Bolsonaro escreveu no Twitter que se fosse eleito para o Planalto iria extraditar «imediatamente» Battisti. «Reafirmo aqui meu compromisso de extraditar o terrorista Cesare Battisti, amado pela esquerda brasileira, imediatamente em caso de vitória nas eleições», escreveu o capitão na reserva.