Faro policial

Perante determinados indivíduos, apercebemo-nos se estamos a lidar com alguém em quem possamos confiar – ou, pelo contrário, se nos encontramos perante uma pessoa falsa, capaz de burlar, de mentir, de enganar. Conheci pessoalmente Vale e Azevedo e José Sócrates, e ambos me mentiram.

Quando Vale e Azevedo saiu da presidência do Benfica, percebi que iria ser preso. Aquilo que tinha ouvido sobre ele, as histórias que se contavam a seu respeito (que incluíam episódios de uma passagem pela política, pelo PSD, como colaborador – pouco fiel – de Balsemão), faziam supor que estávamos perante um indivíduo com poucos escrúpulos e uma personalidade de burlão.

Mais tarde, quando se começou a falar da suposta corrupção de Sócrates, escrevi que ele era «o Vale e Azevedo da política». Tratou-se de uma comparação ousada, pois Sócrates era ainda primeiro-ministro, mas certeira. Ao dizer isso, estava implicitamente a sugerir que, uma vez fora do Governo, ele viria a ser preso. E foi isso mesmo que se verificou.

Recentemente, quando Bruno de Carvalho entrou na fase de atos tresloucados, percebi que teria o mesmo destino de Sócrates e Vale e Azevedo. Ou seja, que, após sair da presidência do Sporting, viria possivelmente a ser detido. Para já saiu em liberdade, mas é muito possível que venha a ser acusado de instigação à invasão de Alcochete.

A isto se chamará ‘faro policial’. Ou seja: uma certa capacidade para antecipar os acontecimentos, através da avaliação da personalidade e do caráter das pessoas.

Perante determinados indivíduos, apercebemo-nos se estamos a lidar com alguém em quem possamos confiar – ou, pelo contrário, se nos encontramos perante uma pessoa falsa, capaz de burlar, de mentir, de enganar.

Conheci pessoalmente Vale e Azevedo e José Sócrates, e ambos me mentiram.

Certo dia, estava eu no Expresso, recebi à hora de almoço uma chamada de um familiar de Vale e Azevedo dizendo-me que este tinha elementos importantes para me fornecer. Era uma sexta-feira e o jornal fechava nesse dia. Enviei um jornalista – o João Garcia – ao seu encontro, e ele passou-lhe a cópia de um extrato bancário que provava a sua inocência em acusações que lhe eram feitas.

Eu acreditei. Entretanto, o jornalista – que era menos crente do que eu – falou a uma fonte que tinha naquele banco e lhe forneceu o extrato da conta relativo ao mesmo período. E o que se verificou? Que a cópia do extrato que Vale e Azevedo nos tinha fornecido era falsificada! Isto mostra a qualidade do homem e o seu descaramento. É escusado dizer que a notícia que saiu no dia seguinte no jornal, em vez de ilibar Vale e Azevedo, ainda o ‘enterrava’ mais.

Sobre José Sócrates, já contei mais de uma vez este episódio: num almoço a sós, no restaurante Pabe, garantiu-me que ia deixar definitivamente a política para se dedicar à vida académica, indo fazer uma pós-graduação em Inglaterra. Isto passava-se um tempo depois de ter saído do Governo, em resultado da demissão de António Guterres.

Chegado à redação do jornal, contei o que Sócrates me dissera, para a elaboração de uma notícia. Mas aí, a jornalista que tratava do PS, a Cristina Figueiredo, diz-me, estupefacta com o que acabava de ouvir: «Diretor, isso é completamente mentira! Sócrates anda a fazer contactos para arregimentar gente para o apoiar na corrida à liderança do PS». O líder na altura era Ferro Rodrigues. Ora, um tempo depois Ferro cairia, e Sócrates candidatar-se-ia de facto à chefia do partido – e seria eleito. Ele tentara descaradamente enganar-me, sem necessidade nenhuma.

Não conheci Bruno de Carvalho, mas tornou-se claro a partir de certa altura que mentia constantemente, com o maior à-vontade. A sua palavra perdeu todo o valor. Às tantas, não valia a pena ligar ao que dizia, pois tanto era capaz de jurar uma coisa como o seu contrário.

Se Sócrates era ‘o Vale e Azevedo da política’, Bruno de Carvalho é ‘o Sócrates do futebol’.

E isto remete-nos para a importância da verdade. Desde pequeno que sei que, a partir do momento em que entramos pelo caminho da mentira, é difícil escolher o momento certo para parar. Uma mentira conduz a outra. E de mentira em mentira podemos ser levados à burla, à falsificação, ao crime.

Nos seres humanos, há uma coisa fundamental: o respeito das pessoas por si próprias. Quando um indivíduo mente, julga que está a enganar os outros – mas está antes do mais a enganar-se a si próprio. Porque esse caminho não o conduzirá ao sucesso mas ao descrédito. No fim da linha, nem ele se respeitará nem os outros o respeitarão.

E é isso basicamente o que une Vale e Azevedo, Sócrates e Bruno de Carvalho. Além de perderem o crédito como dirigentes e como pessoas, levaram tão longe o propósito de enganar os outros que se tornaram socialmente indesejáveis.