«Paremos o terrorismo machista»

Esta frase, captada em Coimbra, há mais de dois anos, mantém, infelizmente, a sua atualidade, ao gritar, em maiúsculas e a encarnado: «Paremos o terrorismo machista».

As frases captadas em Coimbra em defesa das mulheres vítimas de violência (doméstica) já foram abordadas anteriormente nesta secção, mas, dados os acontecimentos recentes, importa voltar ao tema, com nova fotografia / frase, lembrando o sofrimento dessas mulheres com a poesia de Florbela Espanca: «A minha Dor é um convento ideal (…) // Nesse triste convento aonde eu moro, / Noites e dias rezo e grito e choro, / E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…»

Penso que já se percebeu que irei falar da atual polémica decisão do Supremo Tribunal de Justiça, mas gostaria, ainda, de não esquecer a capa da revista «Cristina» de outubro deste ano, a marcha em Lisboa a 25 de novembro pelo fim da violência contra as mulheres e pela igualdade de género, e, ainda, a crónica recente de Ricardo Araújo Pereira sobre este tema.

Em Portugal, em 2018, até novembro, tinham sido assassinadas 24 mulheres «em contexto de intimidade ou relações familiares próximas», segundo dados do Observatório de Mulheres Assassinadas, ou seja, mais seis mulheres do que em 2017. Em vez de, como seria desejável, este número diminuir, acabou por aumentar. Apesar de tanto homens como mulheres serem vítimas de violência doméstica, o crime sobre mulheres representa mais de 80 % do que sobre homens, segundo estudos científicos. Adicionalmente, como diz a presidente da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) é muito preocupante o facto de que as decisões dos tribunais «ainda culpabilizam as vítimas e não responsabilizam os agressores», num claro «espelho de uma sociedade patriarcal, machista e sexista».

Haverá quem, neste ponto do texto, tenha já revirado os olhos, numa atitude condescendente e dito: «pronto, já cá faltava a cantilena do costume…» Mas, infelizmente, não se trata de uma cantilena. Senão, vejamos o caso recente a que queria aludir. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, segundo notícia de novembro, que o Tribunal da Relação de Guimarães tinha optado por uma pena muito forte, ao condenar um assassino a 13 anos de prisão pela morte de uma mulher, porque não teve em consideração que o assassino amava a vítima.

Não será esta proposição, composta apenas por dois nomes unidos por um verbo, em si mesma, uma negação dos seus termos? Como é que assassino e vítima, por esta ordem sequencial, podem estar ligados pelo verbo amar? Como é que alguém pode matar aquilo que ama? Não! Isso não é amor. Matar não é amor. Bater não é amor.

E esta afirmação leva-nos à capa de uma recente edição da revista «Cristina», que tinha na capa uma fotografia de uma mulher, segundo me recordo, a preto e branco (fui confirmar na Internet e a fotografia é a cores…), com um olho negro e um ferimento no pescoço, sobre o qual pousava o título: «Isto não é amor».

Importa destacar a importância que ainda hoje tem uma marcha como a que teve lugar em Lisboa, no Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, e que reuniu centenas de pessoas, apesar da chuva intensa, e contou com a participação, para além de outras pessoas, de membros do Governo, várias deputadas, a líder do Bloco de Esquerda, e representantes de associações relacionadas com a causa.

Como diz Ricardo Araújo Pereira, com o seu arguto e inteligente sarcasmo: «”Amor é fogo que arde sem se ver” é um bom decassílabo, mas “amor é desculpa para matar” não lhe fica atrás. E quem diz matar diz roubar. O amor é cego e não escolhe crimes». Diz, ainda, no seu artigo na Visão, sobre a citada decisão do Supremo Tribunal de Justiça: «É a última de uma série de decisões judiciais que indica que, em Portugal, as mulheres não podem ser espancadas (a menos que sejam adúlteras), não podem ser violadas (a menos que estejam inconscientes) e não podem ser assassinadas (a menos que o assassino as ame)». A «brincar» diz a verdade e alerta para uma realidade demasiado negra, que importa não esconder, mas, antes, denunciar e combater.

O que se passa com todas estas mulheres e, na realidade, com todos nós é que, no fundo, nos deixamos enganar pela ilusão «de que o mundo interior de cada um é obrigatoriamente acessível à pessoa que vive connosco. Se é um engano voluntário com que o espectador a si mesmo se conforta ou um erro de paralaxe, desconheço. Não duvido que se trata de um equívoco que ignora o muito que, com malícia, escondemos dos outros e o tanto que de nós mesmos, sem sucesso, procuramos esconder» diz Bruno Vieira Amaral em O Mal dos Outros. O mundo é, pois, mais do que aquilo que existe. É a nossa apropriação do mundo. É a nossa forma de olhar a natureza, os outros, a lua…