Para que a memória não se perca

O calendário tem destas coisas. O dia 22 de dezembro de 2018 calha ao sábado, tal como aconteceu em dezembro de 2007. Para o que conta – e conta muito – é o primeiro de quatro dias de encerramento da banca, que foram, então, aproveitados pelos executivos da EDP, da CGD e da Sonangol para…

Para que não se perca a memória dos factos, recorda-se a cronologia:

Dia 21, sexta-feira, 18H30. Com a semana fechada, o governador do Banco de Portugal chamou ao edifício da Avenida Almirante Reis um pequeno grupo de acionistas para dar luz verde ao assalto, que deveria começar pela substituição do conselho de administração do banco. Não há memória de um governador de um banco central se ter prestado a uma manobra deste calibre: conluiar-se com um conjunto de caloteiros – cujas dívidas à banca andarão pelos 5.000 milhões de euros – para tomar o controlo de um banco privado. A lei obriga ao lançamento de uma OPA, mas a CMVM fechou os olhos. Não tendo havido OPA… foi um roubo.

Dia 22, sábado. A reunião da véspera prosseguiu nas instalações da EDP, a convite do seu presidente… vá-se lá saber com que legitimidade. Ordem do dia: escolha de administradores para o BCP. Tarefa facilitada, o Governo já tinha decidido a transferência do presidente e do vice-presidente da CGD para o BCP, pelo que a reunião serviu principalmente para fazer o teste dos nomes no crivo da comunicação social. Também aqui, nenhuma dificuldade. As agências de comunicação − do Banco de Portugal, da EDP, da CGD e também do Governo − cuidaram de preparar o guião para ‘vender’ a estatização como se de uma vulgar ação de supervisão se tratasse. Com o país anestesiado pelas festividades, e a maioria dos analistas a fazer fé no discurso oficial, as vozes que vieram lembrar os empréstimos da CGD aos assaltantes diluíram-se no ruído de fundo.

Domingo 23, véspera e dia de Natal. Mais três dias com o país em off. Os dados estavam lançados, o governador cuidara, a tempo, de promover o afastamento do presidente e do vice-presidente do BCP, e os ‘ativistas’ só tiveram de caucionar a escolha da dupla Carlos Santos Ferreira/Armando Vara para governar o banco.

Dia 26, quarta-feira. A banca reabriu com o BCP já sob a tutela de Sócrates e da Sonangol, e a petrolífera tratou logo de colocar as suas ‘antenas’ nos lugares-chave da casa.

O fim da história é conhecido.

Em três anos, as ações desvalorizaram 97%, em consequência de decisões que ficaram por escrutinar: só na Grécia, os prejuízos atingiram 3.000 milhões de euros, por força da birra de alguém que cismou em anular a decisão, já tomada, de vender o Millennium Grécia. O capricho teve um preço altíssimo: arrasar a capitalização bolsista e obrigar a vários aumentos de capital para repor os rácios.

A quem devem os acionistas do BCP apresentar a conta?